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Pesquisadores unidos para prevenir a esquizofrenia.

por | jun 2, 2015 | 18 Comentários


A esquizofrenia tem sido considerada uma doença do neurodesenvolvimento, ou seja, causada por uma complexa interação de fatores genéticos e ambientais que se inicia ainda na vida intrauterina podendo resultar em alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro.

Porém, em geral, os médicos só costumam entrar em contato com portadores dessa doença depois que eles manifestam o primeiro episódio de psicose – o que costuma ocorrer no início da idade adulta, quando praticamente nada mais pode ser feito em termos de prevenção.

Com o objetivo de mudar esse paradigma, um grande esforço conjunto vem sendo feito por pesquisadores de instituições como Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD) – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) apoiados pela FAPESP.

O trabalho foi apresentado durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil pelo professor Rodrigo Affonseca Bressan, diretor do Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da Unifesp.

“Fazendo um paralelo com as doenças cardiovasculares, hoje sabemos que muitos eventos precedem um infarto, como alterações nos níveis de colesterol e obstrução de vasos sanguíneos. A cardiologia só passou a ter impacto significativo em termos de redução de mortes e incapacitação quando começou a atuar na prevenção. Para isso, foi preciso entender o que acontecia no sistema cardiovascular antes do infarto e qual era o impacto dos fatores de risco”, disse Bressan.

De acordo com o pesquisador, o primeiro episódio de psicose pode ser considerado a metade do processo de desenvolvimento e de cronificação da esquizofrenia.

“Há uma fase que podemos chamar de pré-mórbida ou assintomática, outra fase considerada de risco para o desenvolvimento de sintomas psicóticos e depois a evolução da esquizofrenia propriamente dita e a resistência ao tratamento”, explicou Bressan.

Quando se estuda apenas aqueles pacientes que já têm o quadro psicótico estabelecido, acrescentou o pesquisador, torna-se impossível saber se as alterações estruturais e funcionais observadas no cérebro por meio de exames de imagem são causa ou consequência da doença.

Na tentativa de compreender melhor cada etapa de desenvolvimento do transtorno, o consórcio de pesquisa adotou uma abordagem multistage-multimodal [abordagem multimodal em todos os estágios da doença], que consiste em avaliar diferentes conjuntos de pessoas (coortes) por metodologias variadas.

São usados recursos como ressonância magnética estrutural e funcional, análises epigenéticas (expressão gênica e metilação de DNA), de marcadores inflamatórios e neuroprotetores, além de análises cognitivas e comportamentais.

O trabalho conta com apoio da FAPESP por meio do projeto “Prevenção na esquizofrenia e no transtorno bipolar da neurociência à comunidade: uma plataforma multifásica, multimodal e translacional para investigação e intervenção”, coordenado por Bressan.

“Dessa forma é possível ver as alterações cerebrais nas diferentes etapas da doença e entender como o ambiente pode estar modulando os genes que por sua vez modulam a estrutura cerebral. E também observar se essa modulação progride com o avanço da doença”, afirmou Bressan.

No âmbito do INPD, coordenado pelo professor Eurípides Miguel da USP, foram avaliadas no ano de 2011 pouco mais de 2,5 mil crianças entre 6 e 12 anos.

O seguimento dessa coorte vem sendo feito ao longo dos três anos seguintes, com a avaliação de variáveis ambientais, parentais, genéticas (do trio pai, mãe e filho) e de sintomas psicopatológicos, como timidez ou agressividade excessivas. Desse grupo, uma amostra de 770 crianças foi submetida a exames de ressonância magnética funcional e foi coletado material para análise de expressão gênica e marcadores periféricos.

Esse acompanhamento, explicou Bressan, permite determinar padrões de normalidade do desenvolvimento e do funcionamento cerebral, o que por sua vez possibilita entender o que houve de diferente na trajetória dos indivíduos que vierem a desenvolver distúrbios.

“Uma parcela dessas crianças desenvolverá transtornos mentais, já temos alguns com depressão ou déficit de atenção. Alguns deverão converter para sintomas psicóticos e poderemos entender o que foi acontecendo ao longo do tempo, como os sintomas foram evoluindo. Há também aqueles que apresentavam sintomas que depois podem desaparecer e poderemos entender se houve algum fator ambiental ou biológico protetor, ou seja, fatores de resiliência”, disse.

Um grupo de 40 pessoas com risco de desenvolver sintomas psicóticos vem sendo acompanhado por meio do Programa de Reconhecimento e Intervenção em Estados Mentais de Risco (Prisma), da Unifesp.

Esse grupo inclui indivíduos que já manifestam sintomas psicóticos breves e limitados, com histórico familiar de esquizofrenia, dificuldade de socialização, usuários de drogas e até mesmo aqueles que são considerados de alto risco.

No Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo, é feito acompanhamento de um grupo de 180 pacientes que já manifestaram o primeiro episódio de psicose, mas ainda não receberam tratamento medicamentoso.

“Com esses pacientes é possível estudar, por exemplo, como a estrutura e o funcionamento cerebral se encontram antes do início do tratamento e como a doença evolui”, disse Bressan.

Por último, no Programa de Esquizofrenia da Unifesp (Proesq) são acompanhados 300 portadores da doença já em tratamento – sendo 100 deles comprovadamente resistentes aos medicamentos normalmente usados.

O trabalho realizado no Proesq já permitiu validar escalas de avaliação de sintomas e modelos capazes de prever resistência ao tratamento que vem sendo desenvolvido.

O grupo fez levantamentos nos Centros de Atenção Psicossocial da comunidade local e percebeu que mais de 70% dos pacientes resistentes a tratamento eram negligenciados. O programa vem auxiliando os profissionais a identificar e tratar precocemente os pacientes refratários com medicações antipsicóticas apropriadas.

“Essa plataforma multimodal também nos permite avaliar perfis de inflamação cerebral e de neuroproteção desses indivíduos ao longo da evolução da doença. Além disso, podemos ver como polimorfismos genéticos afetam a estrutura do cérebro e se refletem nos déficits cognitivos dos portadores de esquizofrenia”, contou Bressan.

Paralelamente, vêm sendo realizados estudos para validar biomarcadores que auxiliem no diagnóstico precoce da doença, tais como a enzima Ndel1 (Nuclear distribution element-like 1), envolvida diretamente na migração neuronal.

Também vem sendo testada em um modelo de camundongo a eficácia de substâncias neuroprotetoras como o canabidiol, derivado da maconha (Canabis sativa).

“Hoje, aproximadamente 20% dos indivíduos em risco acompanhados pelo Prisma convertem para a doença, ou seja, efetivamente desenvolvem um episódio psicótico. Talvez possamos reduzir esse índice se tratarmos com substâncias neuroprotetoras no momento certo. Neuroprotetores agiriam da mesma forma que as estatinas nas doenças cardiovasculares, que não têm impacto depois que a doença está instalada, mas podem funcionar na prevenção”, avaliou Bressan.

O grupo obteve resultados preliminares positivos com o uso de canabidiol prevenindo sintomas psicóticos nos ratos e pretende iniciar um ensaio clínico com a droga em colaboração com o grupo do professor Jaime Hallak, da USP de Ribeirão Preto.

“Para desenvolvermos novas drogas capazes de prevenir a esquizofrenia precisamos trabalhar nas fases iniciais do desenvolvimento da doença”, opinou Bressan.

Mecanismos neuroimunes

Na mesma sessão na FAPESP Week, Cameron Carter, da UC Davis, apresentou trabalhos desenvolvidos no Center for Neuroscience, que dirige. Um dos principais objetivos do grupo californiano é entender o papel de mecanismos neuroimunes e da inflamação no desenvolvimento da esquizofrenia e de outros distúrbios psiquiátricos.

Segundo Carter, há evidências de que portadores de esquizofrenia apresentam moléculas imunes alteradas no plasma sanguíneo. O mesmo resultado foi visto em análises post mortem do tecido cerebral.

“Já contamos com algumas terapias para essas doenças, mas elas são pouco eficazes e atacam mais os sintomas do que as causas. Há uma grande necessidade de desenvolver novos tratamentos e para isso tentamos compreender melhor o que acontece em nível molecular no cérebro”, disse.

A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população mundial, mas assim como outros transtornos mentais é uma importante causa de incapacitação e de perda de dias trabalhados.

Caracteriza-se pela presença de muitos sintomas – entre eles alucinações, embotamento afetivo, catatonia e pensamento desorganizado – sem que nenhum seja seu definidor.

São considerados fatores de risco: casos da doença na família; exposição a toxinas, infecções virais e má nutrição durante a gestação; doenças autoimunes; tabagismo e uso de drogas ou medicamentos psicotrópicos durante a adolescência e início da vida adulta.

Fonte: Revista Exame

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18 Comentários

  1. Ana Goes

    minha filha esteve em um tratamento no hospital sao paulo devo dizer que foi abandonada e muito mal tratada, hoje se encontra internada em uma clinica, o hospital sao paulo se recusou a continuar a trata la, estou ate hoje a pedir ajuda de todos, sem resposta!!

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  2. sonia

    Gostaria de saber se há algum estudo sobre relação entre toxoplasmose e esquizofrenia, pois já li alguma coisa e, coincidentemente, tenho um familiar que desenvolveu a doença uns poucos anos após ter tido a toxoplasmose. Grata
    Sonia

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    • Editor do Portal

      Sonia, sim, a toxoplasmose congênita, aquela que é transmitida pela mãe ao bebê, já foi relacionada a um maior risco de desenvolver esquizofrenia posteriormente. Abraços!

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  3. sonia

    No caso mencionado a toxoplasmose não foi congênita. Como faço para entrar em contato com o Sr. em particular, gostaria, se possível, de uma orientação.
    Grata. Sonia

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  4. Ina

    Eu teria várias dúvidas a esclarecer, mas no momento a única pergunta conveniente é: Como ajudar se a pessoa em questão nega a ajuda de todos e não admite a própria doença? Existe um exame confiável a ser feito para comprovar a esquizofrenia?

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    • Editor do Portal

      Não existem exames diagnósticos, o diagnóstico é clínico. Quanto à não aceitação, essa é a situação mais complexa e difícil, você precisa procurar um psiquiatra mesmo que o paciente não aceite ir à primeira consulta. Um abraço!

      Responder
  5. Ina

    Eu me encaixo em mtos dos fatores de risco acima citados. Como posso ajudar com as pesquisas e como devo proceder para me prevenir?

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    • Editor do Portal

      Ina, procure a USP ou a UNIFESP, setor de psiquiatria, programas de esquizofrenia.

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  6. Lígia Heck

    A esquizofrenia pode involuir ou estagnar ? Grata pela informação.

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    • Editor do Portal

      Ligia, claro, 25% dos pacientes tem um único surto, se recupera e depois não tem mais nada, entre os que têm mais de um surto ou um padrão de crise-remissão-crise, 70% podem ter uma evolução positiva com o tratamento ao longo dos anos, recuperando-se significativamente a ponto de voltar a ter uma vida normal, mesmo que precisem manter o tratamento. A minoria tem um curso grave, resistente a todos os tratamentos. Mas isso é estatística, na prática todo o paciente em tratamento pode se recuperar, isso vai depender da qualidade do tratamento, da adesão, dos aspectos familiares e sociais e, sobretudo, do indivíduo e de sua capacidade de empoderamento e superação.

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  7. andreia pereira

    Meu filho de 12 anos ouve vozes. Há algum centro para prevenir novos surtos no RJ? Já o trato mas tenho esperanças da estagnação da doença visto que já estava atenta e recorri rapidamente ao tratamento. Peço ajuda!

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    • Editor do Portal

      Andreia, não conheço nenhum centro de prevenção e intervenção precoce para esta idade, mas eu olharia no IPUB e no Pinel, onde existem serviços de psiquiatria infantil. Um abraço!

      Responder
  8. Juliana Fernandes

    Olá. Meu irmão tem toxoplasmose congênita, tem 27 anos, é dependente de tudo assim como um bebê e tem crises convulsivas, mesmo tomando muitas medicações. Será que o Canabidiol seria indicado para o caso dele?

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  9. marta ferreira de jesus

    Ola.meu filho tem 14Anos desde pequeno e mt timido tem deft d atençao,tem dificuldade em c socializar,ele e filho unico.nunca conseguir tratamento devido morar no interior e sem meios financeiros.n sei o q fazer ele n consegue c socializar so fica no quarto o tempo todo por favor me de uma orientaçao.o q eu faço.

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    • Editor do Portal

      Marta é preciso buscar uma avaliação médica para seu filho, se não tiver na sua cidade, procure numa cidade próxima. Pode ser um CAPS, um ambulatório ou hospital especializado, mas não deixe de procurar ajuda.

      Responder
  10. Odilon José fernandes

    Minha namorada tem trinta e quatro anos e foi diagnosticada com esquisofrenia. Vive agora em semi internato no CAPS. Antes de aceitar que ela viesse vir morar comigo ouvi os profissionais de saúde que cuidavam dela e eles me garantiram que o relacionamento faria bem a ela. Depois o Psquiatra me informou que ela tinha restrições, não podia possuir uma chave da casa e do portão, não podia dirigir veículos. Apesar do médico estar retirar no último ano metade dos medicamentos que ela usava, e de ela estar vivendo socialmente muito bem e produtivamente ainda não abriram mão das restrições mesmo agora que já frequenta o semi internato apenas um dia por semana. A pergunta é ela estará condenada a sofrer estas restrições a vida toda?

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  11. Larissa Geschwind Kellermann

    Minha filha esta com 16 anos está em tratamento psiquiátrico desde os 15, alucina fala sozinha e gradativamente isto está evoluindo. Gostaria de mais informações relacionadas a toxoplasmose congênita e a esquizofrenia, pois no meu caso existe esta relação.

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    • Editor do Portal

      Larissa, existem estudos que relacionam a toxoplasmose congênita, assim como outras infecções intra-uterinas, como possíveis causas da esquizofrenia. Nesses casos essas infecções seriam fatores ambientais que aumentam o risco de adoecimento quando existe uma predisposição genetica para a doença, portanto, isoladamente a toxoplasmose não causa esquizofrenia.

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