Os desenhos que ilustram este comovente depoimento são de Glória.

Confesso que passei longos dias pensando no que escrever sobre mim e qual seria o começo de uma história tão confusa, como esta.

Me chamo Glória e o meu forte não são as palavras, são os traços, os sombreamentos, a transformação do que só eu vejo e/ou sinto no que todo mundo pode ver e entender se houver esforço.

Eu tenho 25 anos e tenho a total consciência de que sempre tive algo diferente. Tudo sempre pareceu me afetar mais do que deveria, sempre fui muito mais sensível, o que fez meus pais buscarem psicólogos e psiquiatras quando eu tinha ainda 12 anos. Durante a adolescência recebi diversos diagnósticos (ansiedade, depressão, boderline, TPT, bipolaridade), até chegar á idade adulta e receber o diagnóstico conclusivo: Esquizofrenia Paranóide.

Durante a escola (eu devia ter uns 14 anos), lembro e sou lembrada pelos poucos amigos que me restaram dessa época, eu gostava do isolamento, eu não confiava em muitas pessoas e as que confiava jamais me entenderiam. Eu tinha certeza que toda escola estava contra mim, e as pessoas não contribuíam, espalhavam boatos e me faziam sentir pior.

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Para tentar me desligar do que acontecia ao meu redor, dos boatos, dos olhares, da exclusão e das vozes que ouvia às vezes e não podia explicar, eu me voltava para o caderno, e, ainda sem muita técnica, eu passava minhas manhãs e tardes desenhando, e tais desenhos me davam alívio, eu tinha algo para me ocupar, eu não precisava me doar ao mal que pairava sobre mim naquela escola e, mesmo assim, no ano seguinte deixei de frequentá-la.

Em casa, o foco agora era minha família, na minha cabeça todos estavam contra mim, principalmente minha mãe. Os conflitos que podiam ser facilmente resolvidos entre nós duas, se tornavam imensas confusões, fui deixando de ser tão sensível e me tornei agressiva/impulsiva (verbalmente). Eu não desenhava mais.

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Quando eu tinha 16 anos meus pais se separaram, passei a morar com meu pai, conheci um garoto que amei, perdi amizades que não recuperei. Ainda com 16, quando comecei a namorar, sentia-me pressionada a manter relações mais íntimas, mas todo contato físico parecia demais. Me martirizei por isso. Me martirizei pelo fim do casamento dos meus pais. Pelo fim das minhas amizades. Por minha inutilidade. Nada era tão crescente quanto a minha instabilidade emocional e a certeza de que todos ainda me odiavam. No mesmo período tive meu primeiro surto.

As vozes não me deixavam em paz, me gritavam, me humilhavam e me mandavam cortar os pulsos, tomar remédios, tudo que pudesse causar meu suicídio. Eu tinha medo delas, chorava, gritava, queria fugir. Passei a ver o demônio, ele também me queria morta. Sentia cheiros que ninguém sentia e insetos andando sob minha pele.

Psicólogos e psiquiatras faziam parte da minha rotina. Sedativos, antipsicóticos e outros remédios que foram difíceis de aceitar no início.
Depois de meses de cuidados, fui melhorando até, enfim, sair do surto.
Os delírios ainda ocorrem com frequência, as alucinações com bem menos intensidade.

Aos 18, entrei na faculdade, comecei a cursar psicologia, que amo mais do que poderia expressar.

Com ajuda da psicoterapia e dos conhecimentos que fui adquirindo no curso, hoje reconheço com mais facilidade os sintomas, mesmo que as vezes não consiga e me perca no que é real e no que não é.

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Fui incentivada a voltar a desenhar, e nos desenhos me encontrei. Diferente de antes, não desenho para me distrair, desenho porque na arte consigo encontrar clareza onde tudo é escuridão. O que eu desenho deixa de ser algo que está apenas na minha cabeça. A arte faz parte da minha luta diária, me ajuda a melhorar, me perceber, me orgulhar.

Hoje, apesar de tudo, vivo bons momentos. Tenho amigos que me amam e são igualmente amados, tenho uma família que se esforça para me entender e de mim cuidar. Me percebo mais, me cuido mais, me permito mais. A luta é constante, a vitória dela existe a cada golpe de amor próprio, a cada dia que tenho coragem de levantar da cama, sorrir e tentar.

Não vou desistir!

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