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Novela “Amor à Vida” reabre discussão sobre hospitais psiquiátricos.

por | set 17, 2013 | 4 Comentários


Novela ‘Amor à Vida’ retoma discussão sobre como deve ser o tratamento de pacientes com doença mental. No Brasil, opção pelo modelo ambulatorial deixa milhares de pacientes sem atenção médica.

Nos episódios que foram ao ar na primeira semana de setembro, Paloma (Paolla Oliveira), protagonista da novela Amor à Vida, foi internada à força em uma clínica psiquiátrica. Sua internação é mais uma das infindáveis artimanhas do irmão Félix (Mateus Solano), que busca roubar seu posto de preferida do pai, o todo-poderoso César (Antonio Fagundes). No folhetim, o propósito do autor Walcyr Carrasco foi reabrir a discussão sobre o tratamento dos doentes mentais no Brasil. “Há uma corrente que acredita que o paciente deve conviver com a família, fora da clínica. Esse é um ponto de vista profissional e quero propor a discussão”, diz.

Carrasco faz menção à antipsiquiatria, uma abordagem contrária à internação de doentes mentais em hospitais psiquiátricos.

Como tantas teorias surgidas na década de 1960, a antipsiquiatria é um amálgama de pensamento especializado e ideologia esquerdista (com ênfase maior na segunda). Seu pai foi o italiano Franco Basaglia, psiquiatra e militante do Partido Comunista, que tratava a loucura como “construção social” e os hospícios, como instituições destinadas ao controle de “corpos e mentes”, em total benefício do status quo. Depois de atingir seu auge nas décadas de 1970 e 1980, o discurso da antipsiquiatria saiu de voga. Não é mais usual encontrá-lo repetido nas escolas médicas. Sua herança, no entanto, ficou.

A antipsiquiatria teve um lado positivo: chamou atenção para a realidade dos manicômios — que quase em toda parte eram casas de horror. Bem mais duvidosa é a maneira como a ela informa, de maneira não declarada, políticas públicas de saúde que buscam pura e simplesmente o fim dos leitos hospitalares dedicados aos doentes psiquiátricos. Aqui, ideias abstratas sobre doença e controle social se sobrepõem à necessidade clínica de tratar cada doente como um caso em particular, que precisa de soluções próprias.

Essa é a realidade do sistema de saúde no Brasil atualmente. Em 2001, foi publicada uma lei que determina o fim progressivo dos hospitais psiquiátricos no Brasil. Há, no entanto, um grupo de psiquiatras que defende, com bons argumentos, que é preciso, ao contrário, um aumento no número de leitos hospitalares psiquiátricos.

Tratamento mental

O ELETROCHOQUE
Na novela Amor à Vida, Paloma é falsamente diagnosticada com esquizofrenia paranoide. A doença é um tipo de psicose na qual a pessoa se desconecta da realidade e perde a capacidade de discernimento. Os sintomas costumam ser manias persecutórias e delírios. No folhetim, a protagonista é internada, obrigada a tomar algumas medicações e, por não melhorar, submetida ao eletrochoque.

Segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (SBP), a eletroconvulsão terapêutica (nome médico do eletrochoque) é uma técnica permitida nos dias de hoje. “O paciente é anestesiado e não sente dor”, diz. Quando submetida a esse tratamento, a pessoa recebe uma baixa corrente elétrica que a induz à convulsão, que dura cerca de 30 segundos — por isso ela chacoalha na maca.

A técnica é eficaz e, normalmente, são feitas de nove a 12 sessões — de uma a duas por semana. O eletrochoque, no entanto, é usado apenas em último caso. Segundo o especialista, são os pacientes graves, que não responderam bem à nenhuma medicação, que têm indicação para a técnica.

Manicômios — “A noção de doença mental é usada para identificar ou descrever alguns aspectos da chamada personalidade de um indivíduo”, escreveu o psiquiatra húngaro Thomas Szasz (1920-2012), uma das referências da antipsiquiatria, em artigo publicado no periódico American Psychologist, em 1960. Ao insistir que as fronteiras entre normalidade e loucura eram porosas, o movimento forçou uma revisão dos tratamentos psiquiátricos — e sobretudo dos locais onde ele acontecia, os hospitais conhecidos como manicômios.

Na década de 1970, a luta contra essas instituições estava a pleno vapor. Lutava-se para acabar com situações como a do Hospital Colônia, o maior hospício do Brasil. Aberto em 1903 em Barbacena, há indícios de que 60.000 pessoas morreram no local até seu fechamento, na década de 1980 — vítimas de seções fatais de choques elétricos, inanição, precárias condições de higiene e assassinatos.

No livro O Holocausto Brasileiro (Geração Editorial) a jornalista Daniela Arbex narra a história do hospital. Segundo registros do local, 70% dos pacientes que passaram por lá nunca foram devidamente diagnosticados. É certo que nem todas as pessoas entregues a essas instituições tinham distúrbios mentais. Homossexuais, criminosos, portadores de doenças venéreas muitas vezes eram ali internados. A história de Paloma em Amor à Vida remete claramente a episódios como esses: ela não é doente, mas vítima de um golpe.

Herança — Pôr um fim em situações como a do Hospital Colônia era, obviamente, um objetivo legítimo. Algo diferente é afirmar que a doença psiquiátrica é sempre uma “construção social” e que o tratamento hospitalar de pessoas com problemas desse tipo deve ser banido. Hoje, o sistema de saúde brasileiro tem como meta reduzir ao máximo o número de leitos psiquiátricos, e encaminhar os doentes ao tratamento em ambulatórios. A ideia é falha quando se trata de pacientes graves. Na maioria dos casos de surto, a pessoa precisa ser internada por um período indeterminado, que pode durar poucos dias, meses ou anos. “Se o paciente coloca em risco a vida dele e a de outra pessoa, ele precisa ser hospitalizado pelo tempo que for necessário”, diz Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

No Brasil, entretanto, isso tem se tornado cada vez mais difícil. Só no município de São Paulo, de 15 a 20 internações de pacientes em surto não podem ser atendidas por dia. “O SAMU [serviço de atendimento móvel de urgência] não está preparado para atender essa população e chega a recusar esses pacientes”, diz Geraldo da Silva. Segundo um levantamento recente, cerca de 1.500 esquizofrênicos moram nas ruas de São Paulo, e metade da população carcerária do País tem algum tipo de problema mental. “Dentro dos prontos-socorros, os médicos não estão preparados para atender esses pacientes. O cenário no Brasil hoje é muito ruim”, diz.

Para o Ministério da Saúde, investir nesses centros especializados, com equipes multidisciplinares, significa humanizar o tratamento. A ação integra a política do governo de abolir os hospitais psiquiátricos. “Essas instituições servem apenas para deixar a doença crônica”, diz o sanitarista Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. De 2002 a 2012, o número de leitos psiquiátricos em hospitais públicos passou de 51.393 para 29.958. “No início da década de 1990 existiam 120.000 leitos”, diz Valentim Gentil, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).

Essa queda drástica no número de leitos é acompanhada por um aumento no número dos Centros de Atenção Psicossocial, os chamados CAPs: passaram de 424 unidades, em 2002, para 1.803, em 2012. “O problema é que o CAP não é suficiente. A grande maioria fecha às 18 horas, a família tem que ter disponibilidade para levar e buscar todos os dias e alguns pacientes simplesmente não se adaptam”, diz Gentil. De acordo com o especialista, a maioria dessas unidades também não tem psiquiatra à disposição, nem está preparada para atender um paciente em surto. “O tratamento da saúde mental está em colapso”, diz.

Segundo o professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Wagner Gattaz, o modelo de tratamento oferecido pelo governo decorre de um cálculo político injustificável. “Como louco não vota e nem protesta, viu-se como algo interessante acabar com os hospitais psiquiátricos para economizar”, diz Gattaz. Em 2011, foram gastos 525,71 milhões de reais para manter 32.284 leitos hospitalares. Se tivessem sido mantidos os 120.000 leitos em hospitais públicos originais, existentes na década de 1990, os gastos seriam quase quatro vezes maiores, segundo dados do próprio Ministério da Saúde. Enquanto isso, foram gastos, também em 2011, 1,2 bilhão de reais para manter 1.742 unidades do CAPs. Em uma conta grosseira, acabar com os leitos hospitalares rendeu, em um ano, uma economia de meio milhão de reais aos cofres públicos.

Terapia — Tratar doentes mentais, alertam especialistas, é uma tarefa complexa e multidisciplinar. De acordo com Gentil, os CAPs são necessários, desde que haja também investimento em outras áreas da saúde mental. “Além desses centros é preciso ter ambulatórios, leitos em hospitais gerais e em hospitais especializados, uma moradia supervisionada e casas de transição onde o paciente se prepara para voltar à sociedade”, diz.

As moradias supervisionadas são casas onde pacientes graves e crônicos passam a morar, sempre acompanhados de atendimento especializado. Em algumas cidades do país, isso já vem sendo colocado em prática, como em Belo Horizonte. “São locais pequenos, cabem no máximo 20 pessoas. Ali vivem os pacientes que têm no convívio com a família e a sociedade algo impossível”, diz o psiquiatra Francisco Paes Barreto. A iniciativa, no entanto, ainda é pontual e precária.

Fonte: Veja

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4 Comentários

  1. Aida Bittencourt

    Dr. preciso de um conselho; minha filha única nasceu em 08/01/1981, teve uma infância rasoavelmente saudável, digo isso por que eu eo pai dela tinhamos muitas discussões,hoje separados ha seis anos,ela casou-se aos 21 anos depois de 8 anos tiveram uma menina, hoje com 3 anos e meio. Dr. no final de agosto de 2012 ela que ja vinha sentindo-se perseguida, desconfiada e com enrregecimento emocional., ela surtou, com agressividade verbal comigo oque me desestabilizou muito, até então nossa relação era muito boa, com meu genrro tambem eu sempre tive bom relacionamento,ai começamos a levá-la ao psiquiátra,mas não tivemos um acolhimento bom , foram muitas idas e vindas as vezes ela tomava o resperidon,não lembro o nome do outro remédio que foi receitado e que nas primeiras doses ela passou mal,com vômitos e queda de pressão, mesmo tendo psicólogos nunca consegui uma consulta para nós, somos, eu, e ela dependentes de militares da Aéro Náutica. Eu estou no quarto semestre de psicologia ainda tenho pouco conhecimento,mas como mãe sei que a minha filha não está bem. Dr.lembro que no mês de setembro de 2012, eu busquei informações e soube que estava chegando no Brasil a medicação invega, comentei com o psiquiátra e ele me respondeu que iria manter sua presquição, até porquê, o remédio era muito caro, eu já havia me informado do valor,então lhe respondi;dr. eu só tenho uma filha,e graças a deus tenho condições financeiras. Dr. sei também que o diagnóstico pode ser demorado, mas como eu comesei lembrar das alterações de comportamento dela, estas muito sutís,e sabendo que na família do pai dela tem caso de esquizofrenia,penso que seja este distúrbio que ela tenha,hoje vejo o pai dela com outros olhos, percebo muita semelhança de comportamentos dele e da nossa filha.Dr. por favor me ajuda,busco por minha filha saudavél,ela tem um bom caráter,nunca teve nenhum vicío nem o marido dela. Dr. construimos uma casa maravilhosa,há dois anos, com bastante privacidade para todos, e ela em 1º de maio deste ano, do nada ela mandou o marido para casa dos pais dele, sem eles terem brigado,aliás eu nunca soube que tenham brigado durante esse casamento que durou oficialmente por dez anos.Ele vem diáriamente em casa convive algumas horas com ela e a minha neta,brincam converçam, minha filha quer que a filha dela encare a separação desde já com naturalidade,só que quando o pai da menina saiu de casa, a menina se queichava para mim que estava triste,porque o pai dela tinha ido embora,e um mês depoi ela fez uma pneumunia, ficou tomando antibiótico por três semanas,e eu passei a mentir toda vez, que a menina pergunta pelo pai que ele está trabalhando, sei que estou errada. Dr. algumas vezes neste período de um ano consegui convencer minha filha, a ir ao psicólogo,mas ela desiste das ssessões,eu também faço o mesmo,por N razões, dr. estou em conflito, me ajude!

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    • Leonardo Palmeira

      Procure conversar com o psiquiatra de sua filha a sós, existem muitas opções de tratamento, não se justifica a insistência com um medicamento que o paciente não tolere, ele acaba interrompendo o tratamento. Existem outras opções de antipsicóticos, inclusive o que você cita, alguns são fornecidos pelo governo através da Assistência Farmacêutica. Aqui no site você encontra todas as informações, navegue e vai encontrar muitas dicas de como ajudar sua filha. Recomendo também nosso livro, recém-lançado, que aborda bem como agir com o paciente quando ele não aceita a doença e o tratamento. Boa sorte!

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  2. Sonia Maria Mattoso de Moura

    Boa tarde, eu peço ao Sr uma orientação. Vou em fevereiro visitar minha filha e meu neto com 5 anos, pois estão morando em Vigo (Espanha) por motivos que aquí no Rio de janeiro pelo SUS não existe este recurso. lá pelo Sus dá toda assistência (mesmo na condições que se encontra a Espanha) foi diagnosticado que meu neto tem um pequeno Autismo e se encontra em uma escola para este tipo de tratamento, mas o que está me preocupando que minha filha me chama , mas eu percebo que ela se sente incomodada com minha pessoa (não foi diagnosticado ela , mas eu tenho na minha família quadro de esquizofrenia) estou sentindo falta do meu neto e não sei o que faço?! não sei como lidar com esta situação. poderia ajudar-me gosto dos seus conselhos e orientações. obrigada Sonia

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  3. Adriano Vinicius da Cunha Pereira

    Eu estive internado no ano de 2004 e fui muito bem tratado numa clínica na cidade vizinha de Tanguá, passei seis meses lá e retornei aos poucos como sempre fui: calado, tímido e com muitas dificuldades de me expressar. Mas me sinto bem assim , não quero fingir ser uma pessoa que não sou , fazer parte da sociedade, ter que trabalhar , estudar.

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