Nos artigos anteriores apresentamos a epidemiologia do uso da maconha e o papel do sistema endocanabinoide no comportamento humano, ressaltando alguns prejuízos que o uso da maconha, particularmente o THC, traz para o sistema e para o comportamento humano.
Hoje vamos nos aprofundar nos sintomas agudos da maconha nas pessoas que a utilizam.
Muito dos efeitos que conhecemos hoje tem respaldo em estudos de laboratório, realizados com maconha inalada ou injetável, particularmente o THC, composto da maconha com mais efeito psicoativo.
A maconha, quando ingerida, possui lenta absorção e grande metabolismo hepático, sofrendo uma baixa taxa de biodisponibilidade, em torno de 10%. Já a forma inalada através do fumo entrega ao sangue cerca de 30% e, se inalada com vaporizadores, cerca de 55%. Se o THC for injetado na veia, a concentração pode ser 50% maior do que a inalada. Uma característica do THC é que ele se deposita na gordura do corpo, sendo depois redistribuído na corrente sanguínea e causando efeitos a longo prazo.
Os efeitos agudos do THC, portanto, dependem da via de administração, da quantidade de uso e da frequência. Pessoas que usam a maconha de maneira frequente tem efeitos agudos mais reduzidos.
Estudos com THC em humanos (mais comum no passado, devido à permissão na legislação e em comitês de ética) mostraram que os sintomas provocados pela droga são semelhantes à esquizofrenia, mesmo em algumas pessoas que não possuem a doença. Foram descritos paranoia, desorganização do pensamento, alucinações ou ilusões, grandiosidade, afeto embotado ou euforia, falta de espontaneidade, isolamento social e lentificação motora. Ocorreram também sintomas dissociativos, como alteração da percepção do tempo, despersonalização e desrealização e sintomas cognitivos, como desatenção, problemas de memória, de função executiva e planejamento, redução do reforço positivo, gerando distúrbio do aprendizado por recompensa.
Um estudo em 2005 com pacientes com esquizofrenia que utilizaram a maconha verificou que ela piorou os sintomas da doença, gerando mais sintomas positivos e negativos, sem entretanto trazer sintomas novos, mas também sem provocar qualquer alívio de sintomas da doença, pondo por terra a teoria de que o paciente com esquizofrenia se automedica com a maconha para aliviar os sintomas da esquizofrenia. O paciente também se mostrou mais vulnerável aos efeitos da maconha, com mais déficits cognitivos do que pessoas sem a doença.
Existem canabinóides sintéticos, produzidos em laboratório e que são muito mais potentes do que o THC. O mais conhecido é uma droga apelidada de Spice. Ela também é conhecida como a droga do zumbi, pelo seu potencial letal de intoxicação. Ela causa alucinações visuais e auditivas, delírios, comportamento e fala bizarros, ideias de suicídio, comportamento suicida, agressividade, podendo terminar em delirium hiperativo por varios dias, IAM, AVE, lesão renal e morte.
Existem quatro tipos de psicose causada pela maconha.
– Delirium causado pela maconha, levando a um quadro agudo de confusão mental que pode durar de horas a dias depois do consumo de grandes quantidades da droga. Geralmente é autolimitado e melhora espontaneamente com a suspensão da maconha.
– Psicose tóxica pela maconha: sintomas psicóticos que ocorrem após o uso e que podem durar até 6 semanas, também melhorando com a interrupção do uso.
– Psicose funcional não-esquizofrênica induzida pela maconha: psicose duradoura que persiste mesmo após o uso da maconha, mas que guarda íntima relação com a droga e não possui todos os sintomas da esquizofrenia.
– Esquizofrenia seguida do uso da maconha: sintomas da esquizofrenia que iniciam após exposição à droga e que seguem um curso independente após o desencadeamento.
Alguns autores tentaram diferenciar a psicose causada pela maconha da esquizofrenia. Embora essa diferenciação clínica não seja precisa e nem sempre corresponda à prática, é uma maneira de levantar a suspeita entre um tipo ou outro de psicose. Veja a tabela:
Caton et al, 2005 | Baldacchino et al. 2012 |
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Início mais tardio Maior probabilidade de estar num relacionamento Maior comorbidade com Transtorno de Personalidade Antisocial Situação de rua mais frequente Pior suporte familiar Maior probabilidade de ter um familiar com DQ | Menor intensidade de: Sintomas negativos (embotamento afetivo, alogia, apatia) Alterações formais do pensamento Alucinações auditivas |
Forma mais severa de Transtorno por uso de substâncias Longos períodos de abuso Múltiplas drogas Maior dependência de substâncias Alucinações visuais | Maior intensidade de: Hostilidade e agitação Alucinações auditivas não-verbais Alterações da percepção Delírios de controle, grandeza e religiosidade |
No próximo artigo vamos abordar a conversão da psicose causada pela maconha para a esquizofrenia. Até o próximo artigo!
Vera Lúcia Silva Grecco
Gostaria de agradecer pela publicação destes artigos esclarecedores e tão importantes a respeito dos efeitos da maconha e sua relação com a psicose/e ou esquizofrenia. Portadores e familiares precisam conhecer mais detalhes sobre possíveis causas da esquizofrenia para refletir sobre a doença e certificar-se sobre o diagnóstico correto. Agradeço demais a todos do site “Entendendo a Esquizofrenia”. Abraços.
Milla Silva
Olá, Dr. Leonardo, boa tarde! Meu irmão vai fazer 36 anos em breve. Ainda na adolescência, devido a comportamentos tido como estranhos e depressivos (isolamento, tristeza, irritação, agressividade, mau humor etc.) recebeu tratamentos e diagnósticos diversos (como ex.: síndrome do pânico, depressão, transtorno bipolar, TOC etc.). Seu acompanhamento profissional foi amparado pelo SUS e, acredito eu, esse foi o principal motivo para tantos diagnósticos diferentes (tendo em vista que há uma rotatividade muito grande de profissionais da saúde no serviço público, onde cada um dava um parecer diferente). Após vários anos, com momentos de melhoras e recaídas, um dos vários profissionais psiquiatras que tiveram contato com ele lhe diagnosticou com esquizofrenia simples. Esse diagnóstico é seguido por, aproximadamente, 9 anos (após esse diagnóstico, os médicos que lhe atenderam seguem essa mesma linha de raciocínio). Contudo, em uma das crises, um médico de emergência falou que, muito provavelmente, o diagnóstico de esquizofrenia estava errado, pois meu irmão não tem alucinações, nem delírios. Nós, familiares, percebemos em seu comportamento: apatia, ar melancólico e sociabilidade comprometida (seus amigos são basicamente a família). Há outros comportamentos que talvez, em minha opinião de leiga, sejam frutos de efeitos colaterais dos medicamentos que toma (tremores, excesso de saliva, apetite acima do normal, olhar perdido…). Minha dúvida é, Dr. Leonardo: pra ser caracterizado como esquizofrênico, necessariamente o paciente precisa ter alucinações e/ ou delírios? Existe a possibilidade do diagnóstico de meu irmão está equivocado? Desde agora, muito grata pela atenção e apoio. Abraços fraternos!
drpalmeira
Milla, sim, é possível, porém não é comum que uma pessoa com esquizofrenia não possua nem delírios e nem alucinações am algum momento da doença. O que pode ocorrer é que delírios ou alucinações tenham ocorrido de forma mais leve no início da doença e depois a pessoa tenha apresentado somente os sintomas negativos, como a apatia, falta de vontade e dificuldade de socialização. Outra possibilidade é que a pessoa tenha a forma mais desorganizada, com desorganização do pensamento e do comportamento e quase não tenha delírios. Seria melhor você conversar com o médico para compreender melhor o diagnóstico de seu irmão.
Jaci Sanches De Moura
Quando a pessoa usou a maconha e adquiriu esquizofrenia, qual medicamento usar para a cura.
drpalmeira
Jaci, leia nosso artigo publicado hoje sobre tratamento: https://entendendoaesquizofrenia.com.br/website/?p=7123
Vera costa
Tenho um filho que apresentou um quadro de esquizofrenia a 2anos atrás,está se dedicando,mas está interessado sobre esse tratamento com a tal substância da maço há,esse tratamento existe no Brasil?
drpalmeira
Vera, não, este ainda é um tratamento em fase experimental.
Dudu Soares
Queria ter lido os artigos lá em 2019, me ajudaria a entender melhor o que aconteceu comigo. Fumei cannabis por cerca de 3 meses, pelo menos dia sim dia não. Quando parei por cerca de 3 semanas tive uma espécie de surto, e meu psiquiatra diagnosticou como Burnout. Depois de uns 2 meses tomando alguns remédios pesados, um deles era pra psicose, voltei pro trabalho. Hoje vejo que não devia ter voltado tão cedo. Não tive mais nenhum tipo de delírio, mas me isolei muito mais e depois ainda veio a pandemia pra piorar. Quando tentei fumar de novo pra tentar relaxar tive um delírio muito forte de que estava morto mas não conseguia “descansar”, então decidi nunca mais fumar. Deveria voltar a ir no médico, mas perdi um pouco a esperança de melhorar.
Edson Oliveira
existe alguma chance das conspirações imaginadas pelo paciente serem reais, no caso simplesmente estarem enchendo a cara do coitado pra calarem-no!