Apesar da disponibilidade de tratamentos efetivos, como medicações antipsicóticas e intervenções psicossociais, as pessoas com esquizofrenia muitas vezes não recebem o tratamento adequado até que a doença se instale completamente, com episódios recorrentes de psicose, resultando em muitas hospitalizações e em desajustes que duram por décadas. Desemprego, problemas familiares, falta de moradia e hospitalizações prolongadas fazem da esquizofrenia uma doença custosa para a pessoa, sua família e para a comunidade como um todo.
O início do tratamento parece influenciar muito o prognóstico da esquizofrenia, tanto que estudos de intervenção precoce, preferencialmente antes de um primeiro surto, têm ganhado espaço cada vez maior na comunidade científica. Além de ser importante um diagnóstico rápido, é fundamental que o tratamento inicial seja o mais abrangente e eficaz possível, tendo como alvo a recuperação plena da pessoa, com combate efetivo dos sintomas psicóticos, reabilitação para as atividades sociais e abordagem à família.
Por isso, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA (NIMH*) criou o projeto RAISE (“Recovery After na Initial Schizophrenia Episode” – Recuperação após um episódio inicial de esquizofrenia), focado na recuperação após um primeiro episódio. “Esta nova iniciativa ajudará a determinar se intervenções que começam precocemente e são mantidas ao longo do tempo tornam possível que a pessoa com esquizofrenia retorne ao trabalho e à escola”, afirma Dr. Thomas Insel, diretor do NIMH.
O projeto RAISE testará diversas abordagens terapêuticas que envolvem intervenção imediata num primeiro diagnóstico, incorporando sistematicamente as opções hoje disponíveis, como medicamentos, tratamentos psicossociais e reabilitação, incluindo ensinar a pacientes e familiares como manejar a doença. A esperança é que terapias coordenadas façam uma grande diferença na aceitação do tratamento por parte do paciente e na sua eficácia a longo prazo.
Diversas agências e organizações norte-americanas envolvidas no cuidado de pacientes esquizofrênicos, como organizações governamentais, privadas e não-governamentais, participarão da elaboração das intervenções a serem avaliadas pelo projeto. Dois grandes grupos de pesquisa, liderados pelo Dr. John M. Kane, do Feinstein Institute for Medical Research, e pelo Dr. Jeffrey Lieberman, do New York State Psychiatric Institute e da Universidade de Columbia, se encarregarão de desenvolver e testar as potenciais intervenções, que serão aplicadas inicialmente em mais de 30 clínicas espalhadas por todo os EUA.
“Dependendo dos resultados, o projeto RAISE pode representar uma mudança de paradigma na maneira como a esquizofrenia é tratada. Nosso objetivo principal é acabar com a forma crônica, tão custosa e devastadora para a pessoa, para seus familiares e para toda a sociedade”, disse o Dr. Robert Heinssen, um dos diretores do projeto. Está previsto um gasto inicial de 40 milhões de dólares, que será custeado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental com o fundo do American Recovery and Reinvestment Act (ARRA).
Sabemos que a recuperação plena da esquizofrenia é hoje uma realidade e que muitos pacientes, que antes desenvolveriam formas crônicas e incapacitantes, conseguem retomar suas vidas graças aos tratamentos existentes. Entretanto, a forma de tratar varia muito caso a caso, nem todos os recursos são utilizados e alguns são pouco disponíveis à população.
Ademais, é imprescindível para a evolução de nossa prática que a concepção da esquizofrenia acompanhe o avanço das pesquisas e que deixemos de lado a idéia de doença degenerativa ou que caminha inexoravelmente para a deterioração psíquica, como se postulou há um século. A mudança de atitude por parte de terapeutas, familiares e pacientes é um primeiro passo para reunir forças visando a recuperação. Iniciativas como a norte-americana são muito bem vindas, pois podem mostrar ao resto do mundo a forma de se organizar um tratamento complexo e multidisciplinar a fim de se absorver o máximo de eficácia e retorno para nossos pacientes.
Enquanto os resultados do projeto RAISE não chegam, reunimos alguns tópicos para reflexão de como o tratamento tem sido conduzido nos dias de hoje:
1) Início do tratamento – ainda se protela muito a busca por um diagnóstico e um tratamento adequado. O ideal seria procurar uma avaliação psiquiátrica logo que surgirem os primeiros sintomas, como isolamento, desinteresse, idéias estranhas, desconfiança, comportamentos bizarros ou não-habituais para a pessoa.
2) Sintomas negativos – são pouco reconhecidos como parte da doença, mas deveriam ser alvo de tratamento tanto quanto os sintomas positivos. Para eles a medicação pode ter pouco efeito, sendo importante terapia de reabilitação e psicoterapia.
3) Família – a família tem pouco apoio e se sente perdida, sem saber como agir ou como resolver os conflitos do dia-a-dia, aumentando a sobrecarga e o estresse no ambiente familiar, fato que se associa muito a recaídas e internações. Há poucos programas de apoio e informação e não existe ainda a cultura de que esta forma de tratamento é tão importante quanto a medicação.
4) Medicação – os medicamentos devem combater com eficácia os sintomas e estabilizar o paciente para que seja possível a retomada de suas atividades. Muitos melhoram apenas parcialmente e permanecem com algum grau de sintoma e disfunção. É necessário avaliar se existe resistência ao medicamento e prosseguir com o objetivo de recuperação plena, utilizando antipsicóticos mais potentes e indicados em caso de refratariedade, se for o caso.
5) Cognição – outro tipo de tratamento pouco difundido entre nós, porém útil a pacientes com déficits cognitivos que interferem no funcionamento da pessoa, é a reabilitação cognitiva, para melhorar funções como atenção, memória, planejamento executivo e raciocínio.
6) Recaída – treinar pacientes e familiares para identificar sinais de recaída, orientando-os a como agir para evitar um novo surto. Pouco se fala de recaída e muitos são pegos desprevenidos.
*O NIMH faz parte do National Institutes of Health (NIH), que inclui 27 institutos e centros e é subordinado ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos do governo federal dos EUA (equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil).
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