Por Dr. Daniel Martins de Barros
Estadão

Uma das coisas mais lamentáveis de se observar nas redes sociais é como ignorância e preconceito andam de mãos dadas. Quanto menos a pessoa conhece sobre um tema mais sujeita fica a formar opiniões pré-concebidas. Se isso ficasse restrito aos memes e piadinhas talvez não houvesse tanto problema. Mas ao ficarem expostas a informações parciais, enviesadas ou mesmo mentirosas as pessoas ficam mais sujeitas a acreditar em bobagens e agir na vida real em função de tais crenças. Os riscos vão de cair em golpes até eleger presidentes amalucados, passando por tratar mal populações minoritárias.

Como psiquiatra vejo diariamente as consequências do estigma que cerca a doença mental. São pessoas que não procuram tratamento por medo de serem discriminados, familiares que atribuem sintomas mentais à preguiça ou má-vontade, pacientes que perdem oportunidades de emprego pelo simples fato de tomarem medicamentos.

Mas a associação entre ignorância e preconceito, com todas as suas desvantagens, tem ao menos um lado bom: de tão próximas, há estratégias que, combatendo uma, diminuem a outra. Levar informação e transmitir conhecimento, por exemplo.

Numa demonstração bem sucedida disso, a aluna da Faculdade de Medicina da USP Nathaly Bosoni publicou esse ano um trabalho de iniciação científica utilizando tal estratégia. Em primeiro lugar ela avaliou o grau de estigma das pessoas com relação a pacientes com esquizofrenia. Em seguida apresentou uma reportagem que fiz para o Bem Estar, explicando o que era essa doença. Ela então reavaliou o estigma, imediatamente após o vídeo e um e três meses mais tarde. Os resultados mostraram que componentes importantes do estigma, como o distanciamento e as restrições aos pacientes, diminuíam imediatamente e se mantinham baixos ao longo de todo o tempo. Informação é remédio.

A Constituição Federal brasileira determina, no artigo 207, que as universidades obedeçam ao “ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. A pesquisa gera conhecimentos, o ensino os transmite aos alunos, mas é a extensão que os transfere para a sociedade, transformando diretamente sua realidade. Prestação de serviços, assistência à comunidade também são formas de extensão, mas a popularização da ciência, seja por meio de cursos abertos, museus ou qualquer forma de divulgação científica, é que abre as portas do saber.

Reflito sobre esses temas às vésperas do IPq Portas Abertas, uma iniciativa do Instituto de Psiquiatria da USP (do qual faço parte) que – literalmente – abre suas portas para a sociedade. Há seis anos, no fim de setembro o prédio é tomado por palestras, oficinas, cursos e centenas de atividades, trazendo a população para dentro de um hospital psiquiátrico – o que por si só já serve para quebrar barreiras – e oferecendo muita informação qualificada para as pessoas.

É uma daquelas situações em que ficamos felizes por todos os que alcançamos ao mesmo tempo em que nos lamentamos por não alcançarmos ainda mais gente. Pois se mais pessoas travassem esse contato verdadeiro com a psiquiatria, haveria muito menos preconceito com os transtornos mentais e com quem deles padece.

Referência:

Bosoni NO, Busatto Filho G, de Barros DM. The impact of a TV report in schizophrenia stigma reduction: A quasi-experimental study. Int J Soc Psychiatry. 2017 May;63(3):275-277.

IPq Portas Abertas

29 de setembro, das 8h30 às 17h00

Endereço: Rua Ovídio Pires de Campos, 785, Cerqueira César, São Paulo-SP.

Inscrições gratuitas aqui.

Veja a agenda de palestras aqui

Compartilhe: