Em meio à pandemia, o Ministério da Saúde prepara um revogaço de cerca de cem portarias sobre saúde mental, editadas entre 1991 a 2014, ameaçando diversos programas e serviços do setor.

Estão em risco o programa anual de reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar no SUS; as equipes de Consultório na Rua; o Serviço Residencial Terapêutico; e a Comissão de Acompanhamento do Programa De Volta para Casa.

Também corre risco a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.

O Consultório na Rua busca ampliar o acesso da população em situação de rua ao serviços de saúde.

Já o programa De Volta para Casa e o Serviço Residencial Terapêutico visam a reabilitar psicossocialmente pacientes submetidos a longas internações psiquiátricas.

Autoridades de Saúde estaduais estão receosas com a possibilidade de um desmonte de políticas públicas de saúde mental durante uma crise histórica na saúde brasileira.

Outra preocupação é o calendário: se o revogaço for executado nas próximas semanas, STF e o Congresso Nacional estão em recesso, o que dificultaria eventuais reações e questionamentos.

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu (Por Eduardo Barretto / Revista Época).

Leia a nota do Conselho Nacional de Saúde

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio da Comissão Intersetorial de Saúde Mental (Cism), vem a público repudiar propostas de revisão da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e de mudanças no modelo assistencial em saúde mental, com base nas “Diretrizes para um Modelo de Atenção Integral em Saúde Mental no Brasil”, apresentadas recentemente pelo Ministério da Saúde. O documento representa retrocessos sustentados por um modelo biomédico psiquiátrico centralizador e hospitalocêntrico diante do processo de Reforma Psiquiátrica, o Modelo de Atenção Psicossocial e a Desinstitucionalização no Brasil.

A Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas vem sofrendo ataques constantes desde sua elaboração, aprofundados nos últimos 5 anos, por meio do desmonte da Raps e do fortalecimento de políticas segregadoras, marcadas pela ascensão das comunidades terapêuticas e edição de normativas e de financiamento público voltados à internação da população em situação de rua e de adolescentes. Isso desconsidera o processo histórico e político-legislativo de avanços de uma Política desinstitucionalizadora e antimanicomial, conquistada por ampla mobilização e participação social.

O Ministério da Saúde busca mais uma vez concretizar retrocessos, num contexto de crise econômica e sanitária em decorrência da pandemia da Covid-19, em que milhões de pessoas estão perdendo suas vidas, vivenciando processos adoecimento, desemprego, precarização do trabalho e outros inúmeros obstáculos. Consequentemente, agravando as questões da saúde mental e aumentando as necessidades de cuidados.

Temos uma Política de Saúde Mental, Álcool e outras drogas sustentada por quatro Conferências Nacionais de Saúde Mental, pela Lei nº 10.216/2001 e pela Lei Brasileira de Inclusão, largamente reconhecidas no cenário internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como referência de reestruturação da assistência em saúde mental no mundo, dadas suas marcas civilizatórias pautadas na atenção comunitária e territorial, em uma rede pública de serviços diversificada e com atuação multiprofissional. A Política reafirma o protagonismo e a ampliação dos direitos de cidadania das pessoas com sofrimento e/ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

As instâncias do controle social, como fiscalizadoras das políticas públicas, lutam por democracia e participação social e representativa nas discussões de qualquer política que se relacione com o Estado e que venha a ser executada. Reafirmamos uma posição contrária às investidas de retrocesso e “modernização” de velhas instituições e práticas que ameacem a dignidade humana, os direitos humanos e o cuidado em liberdade no campo da saúde mental e atenção psicossocial.

Por isso, o CNS reitera que qualquer ato que se relacione a Política Nacional de Saúde Mental deve respeitar os preceitos instituídos, devendo ser discutido democraticamente nas conferências nacionais temáticas e nas instâncias coletivamente representadas, com o protagonismo de usuárias/os e trabalhadoras/es da saúde mental.

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