Nomeada no início do mês para chefiar o inédito Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, a enfermeira Sônia Barros tem como um dos seus principais objetivos no cargo dar um cavalo de pau na política federal sobre o tema.

Em sua primeira entrevista após assumir, ela disse que já prepara um “revogaço” de portarias que direcionavam recursos para hospitais psiquiátricos e voltará a investir na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), sucateada ao longo da gestão anterior.

— Iremos investir em uma política que não isole o paciente e em perspectiva de redução de danos — afirmou ela ao GLOBO.

Barros é a primeira enfermeira a assumir um cargo de alto escalão na pasta, sendo escolhida pelos trabalhos sobre políticas de saúde mental e exclusão social de pessoas com doenças mentais. Ela carrega no currículo ter trabalhado ativamente na reforma psiquiátrica, lei de 2001 fundamentada no tratamento humanizado dos pacientes com doença mental.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O que significa assumir o primeiro departamento voltado ao tema no atual cenário pós-pandemia?

A saúde mental do brasileiro é precária há muito tempo, por muitos motivos – e não podemos esquecer que para além dos diagnósticos, as questões socioeconômicas podem ser um agravante. O Departamento de Saúde Mental nasce de uma leitura atenta do novo governo a essa pauta. Tivemos muito retrocesso na saúde mental nos últimos anos, com cortes financeiros e redução de equipes, serviços e políticas.

Qual é o orçamento do departamento? A senhora o considera suficiente para as ações desejadas?

O orçamento está sendo delimitado agora, mas de modo geral, é e sempre foi aquém das necessidades. A saúde mental costuma representar apenas 2% dos recursos do ministério (cerca de R$ 2,9 bilhões). Sabemos que os orçamentos para este governo, dadas as condições econômicas, estão baixos. Há uma defasagem grande, mas a expectativa é que não amplie (o orçamento) enquanto não for necessário.

E como será possível expandir a Rede de Atenção Psicossocial, uma das prioridades do governo?

A ideia central é essa, mas a primeira coisa que precisamos fazer é recompor os recursos defasados para sustentar melhor essa rede – digamos que esta é a perspectiva a curto prazo. A médio prazo, iremos expandir a rede com a criação de mais Centros de Atenção Psicossocial: Caps adulto, infanto-juvenil, de álcool e drogas. Em quais estados será prioridade e disponibilidade dos governos estaduais são tarefas para depois da recomposição dos recursos.

A nova gestão também expressou o desejo de reduzir hospitais psiquiátricos. São quase 200 funcionando no país. Já há alguma medida em planejamento para essa diminuição?

Estamos revendo portarias que trazem como base internação psiquiátrica e ampliação de leitos psiquiátricos. Esses decretos serão revogados para impedir o crescimento da rede, e usaremos os recursos destinados a hospitais psiquiátricos na Rede de Atenção Psicossocial. Também iremos retomar a supervisão dos hospitais psiquiátricos com o PNASH, um programa de fiscalização desses ambientes que já foi muito utilizado no primeiro governo Lula. A partir dessa monitoração, poderemos mapear as instituições e fechar hospitais que não tenham condições de permanecer abertos.

A gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro investiu na expansão de comunidades terapêuticas. Qual será a política do departamento de saúde mental acerca dessas instituições?

As comunidades terapêuticas estão sob o Ministério da Cidadania (atual Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social). Nós, da Saúde, iremos investir em uma política que não isole o paciente e em perspectiva de redução de danos. Com ampliação da oferta, damos opção para o cidadão e familiar procurarem outros cuidados.

Qual é a importância de ser a primeira pessoa a assumir o novo Departamento de Saúde Mental, sobretudo sendo uma mulher preta?

Primeiro, inédito é ter um departamento para essa área. É uma estrutura que significa ampliar as possibilidades de intervenção na realidade de saúde mental. Outro fato novo é um profissional enfermeiro assumir essa posição e eu creio que além, claro, do meu percurso profissional e minha experiência, um governo que vem com um discurso de diversidade define também ser possível uma enfermeira, mulher e preta assumir essa posição. Eu me sinto muito honrada pela possibilidade e por fazer parte da reconstrução do país.

Fonte: O Globo

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