Meu nome é Wilson, tenho 39 anos, sou casado há cinco anos e sou portador de esquizofrenia.

Nasci dia 04/11/1971 no Rio de Janeiro. Meu pai era funcionário público federal do antigo DNER e minha mãe, doméstica. Morávamos no bairro de Brás de Pina e por alguns desentendimentos dos meus pais com minha avó paterna e minha tia, devido a conflitos religiosos, fomos morar em São João de Meriti, na baixada fluminense. Isso aconteceu por volta de 1975, quando eu estava com 3 anos de idade. Meu pai percebeu minha aptidão com a leitura e ainda com 3 anos aprendi a ler minhas primeiras palavras e com 4 anos já sabia ler e escrever, pois fui alfabetizado por uma professora que dava aulas para crianças. Ela também percebeu a minha aptidão com os números. Aos 6 anos meu pai viu a necessidade de me matricular em uma escola. Após alguns testes de matemática, português e outras matérias decidiram que eu estava apto para começar na segunda série do 1º grau do Instituto de Educação Líbia Garcia.

Minha infância foi maravilhosa. Tive muitos amigos na escola e nas ruas próximas da minha casa. As ruas não eram asfaltadas e eu aprendi a jogar futebol de pés descalços, brincava de bolinhas de gude, queimado, pique bandeira, polícia e ladrão, etc. Por incrível que pareça, o meu primeiro beijo na boca foi dado pela minha vizinha Simone quando eu tinha 7 anos. Os dois irmãos dela me imobilizaram e ela me beijou.

Na escola, apesar de eu ser o mais novo da classe, eu sempre era o melhor aluno. Em 1983, na sétima série, por motivos financeiros, mudei para a escola Independência, em Rocha Miranda. Nessa escola minha mãe conseguiu uma bolsa. No 2° grau escolhi o curso de técnico em química e fui para o Centro Educacional Fluminense, no centro de São João de Meriti, onde estudei no horário noturno com um de meus amigos chamado Silvio. Eu era muito tímido e romântico e o Silvio era um conquistador de mulheres.

Em 1991, o meu amigo Silvio entrou para trabalhar em uma farmácia de manipulação e acabou levando-me para trabalhar com ele como técnico químico. Fiquei três meses, e lembro-me que nessa época eu arrumei a minha primeira namorada, a Glorinha. Ela morava próximo à minha casa, só que existia uma diferença de dez anos entre nós. Eu tinha 18 anos e ela 28. Eu a escolhi para namorar porque ela era diferente. A minha turma de amigos tentava me influenciar para que eu tivesse minha primeira relação sexual com ela, mas eu era um cara romântico e queria ter algo a mais com a pessoa que eu amasse de verdade, e eu não a amava. Fiquei quatro meses namorando e depois terminei.

Resolvi fazer um concurso para supervisor do IBGE e acabei passando. Foi um contrato de seis meses e eu não fui efetivado, porque o presidente Fernando Collor de Melo estava colocando funcionários públicos em disponibilidade e não estava efetivando. O meu amigo Silvio entrou em uma empresa multinacional e me indicou. Eu fiz uma prova e logo depois passei na entrevista. Comecei a trabalhar em fevereiro de 1992 como analista de laboratório, no controle de qualidade da empresa. Passei para o turno da noite e fiquei trabalhando de 18 ás 6h. Doze horas de trabalho todo dia e uma folga na semana.

Eu chegava a ganhar dez salários mínimos na época. Meu pai morava em casa alugada e eu o ajudei a comprar a casa onde morávamos. Ampliamos a casa e todo mundo esperava que eu, com o tempo, casasse, tivesse filhos, crescesse na empresa. Só que aí veio o que ninguém esperava. Em março de 1995 eu tive o meu primeiro surto, durante a jornada de trabalho. Na hora da saída (6h da manhã) eu fui para casa a pé, andei 25 km, trajeto que normalmente fazia com dois ônibus. Cheguei em casa e meus pais notaram que eu estava diferente. Comecei a falar sozinho, coisas sem sentido. Meus pais telefonaram para meus colegas de trabalho pedindo ajuda. Chamaram uma ambulância e me internaram.

Na clínica recebi o diagnóstico esquizofrenia paranóide de cunho místico. Tive muitas alucinações visuais e táteis. Fiquei internado dez dias e quando saí tive que tomar Haldol e Fenergan todos os dias. Meus pais e minhas irmãs sofreram muito e não sabiam como lidar com tudo que estava acontecendo. Às vezes escutava minha mãe chorando e via meu pai olhando para o céu com o olhar fixo como que pedindo ajuda divina.

Voltei a trabalhar um mês depois, mas, por causa das medicações, estava lento e com baixa auto-estima. Consegui trabalhar sem cometer erros, porém ainda sofria com as alucinações, distorções e tinha que fazer a maior força para que ninguém notasse. Quando eu dormia, tinha pesadelos horrendos, geralmente com monstros ou com seringas e agulhas me furando. Todo mês eu ia à clínica para dar prosseguimento ao tratamento ambulatorial com uma psiquiatra.

Um ano depois, em fevereiro de 1996, tive outro surto e voltei a ficar internado. Dessa vez fiquei 13 dias (porque o plano de saúde não permitiu que ficasse mais). Fiquei um mês afastado do trabalho, porém, quando voltei, o INSS não permitiu que eu trabalhasse mais. Fiquei em casa recebendo meu salário e fazia a perícia a cada três meses. A empresa cortou meu plano de saúde, alegando que eu era um funcionário que “pesava” e já não tinha utilidade.

Tive que pagar um plano de saúde com o salário que recebia para continuar o tratamento. Em outubro de 1997 o INSS me deu alta. Eu fui até a empresa para voltar a trabalhar e eles simplesmente me demitiram, alegando que eu não estava apto para exercer o meu cargo. Como é que eu poderia receber alta de uma doença que não tem cura (era o que eu pensava)? Antes da doença eu pesava 72Kg, quando eu fui demitido estava pesando 98Kg. Meu metabolismo não era mais o mesmo por causa dos remédios. Eu estava sem emprego, gordo e sem perspectiva nenhuma de viver!

Continuava com as alucinações e agora estava com problemas para dormir. Comecei a tomar Rohypnol e só conseguia dormir 3 horas por dia. Resolvi pagar carnês de autonomia para depois de dois anos conseguir o auxílio doença, recebendo um salário mínimo. Só que uma pessoa me informou que segundo uma lei assinada em 1995 eu teria direito a receber sobre a média das horas que eu trabalhei na empresa multinacional. Como eu trabalhava 12 horas por noite, eu teria direito a receber mais do que eu imaginava. Paguei 2 anos os carnês de autonomia. Depois fui à empresa que trabalhei e eles me deram um relatório com a média de todas as horas trabalhada. Passei a receber quatro salários mínimos por mês do INSS.

Nessa época fazia tratamento ambulatorial em um posto em São João de Meriti que fazia parte do SUS. Em 2004 entrei para uma Igreja Batista séria e nesse mesmo mês fui a um médico que trocou os meus remédios. Parei de tomar Haldol, Akineton e Rohypnol e comecei a tomar Melleril e Rivotril. Aconteceu uma virada na minha vida. Passei a dormir mais de 8 horas toda noite e minhas alucinações diminuíram. Eu comecei a fazer novos amigos, fui me socializando cada vez mais. Quanto mais amigos eu fazia era como se a doença fosse “se diluindo”. Eu comecei a frequentar a escola dominical, depois de 1 ano me tornei professor de uma classe.

Em 2005, durante um passeio em um sítio, eu conheci a Tânia, que também era membro da igreja. Começamos a namorar sério, do jeito que eu sempre quis, porém eu falei para ela sobre a minha doença no nosso primeiro encontro. Falei para ela que só casaria se me aposentasse, pois o auxílio doença não me dava segurança alguma. Fui aposentado em setembro de 2005 (um mês depois que começamos a namorar) e nos casamos em 2006.

Ninguém notava mais que eu tinha esquizofrenia, fazia 10 anos que fui internado pela última vez. Em 2008 eu comecei o curso de Teologia no Seminário Batista do Sul do Brasil (único curso de Teologia reconhecido pelo MEC), no bairro da Tijuca. Eu pesava agora 75Kg, comecei a reduzir o remédio por minha conta, pois notei que os efeitos colaterais eram aumento de peso e perda da libido. Por favor, não façam isso que eu fiz! Diminuir o remédio sem orientação médica não é a solução.

Tive compaixão da minha avó, pois ela estava bastante velha e tinha um impasse entre quem cuidaria dela: minha tia (com quem ela ficava) e os meus pais, que não queriam ficar com ela devido à incompatibilidade de religiões. Eu, que já estava diminuindo os remédios, assumi a responsabilidade de ficar com ela, pois minha esposa é técnica de enfermagem e eu achei que poderia ajudar. Deixei a faculdade para cuidar dela. Depois de um mês de muito estresse, eu surtei e minha esposa teve, pela primeira vez, a experiência de um surto psicótico. Eu não fiquei violento fisicamente, mas agredia verbalmente. Ela se assustou e foi para casa da mãe.

Eu ficava internado esporadicamente no PAM, um posto de saúde em São João de Meriti que não tinha psiquiatra. A SAMU me levava da minha casa para esse posto, lá eles me amarravam, davam injeções e no dia seguinte me liberavam. Isso aconteceu umas quatro vezes no período de quatro meses. Aí meu pai resolveu pagar um plano de saúde para que eu pudesse ter um atendimento em uma clínica melhor.

Em outubro de 2008 eu telefonei para minha esposa e prometi que ia me tratar de forma correta e pedi que ela me internasse. Ela e uma amiga me levaram para uma clínica onde fiquei dez dias. Depois que saí da internação fui morar com minha esposa próximo à casa da mãe dela. Tinha consulta médica todo mês. Expliquei à minha psiquiatra que diminuira o remédio porque ele me deixava gordo e sem libido. Ela falou que mudaria o remédio até encontrar um que pudesse atender às minhas expectativas.

Primeiro ela tentou a Risperidona. Não deu certo! Aí ela receitou a quetiapina 100mg e me ensinou como conseguir o remédio pela Secretaria de Saúde do Estado. Esta dosagem de quetiapina era muito baixa, por isso acabei saindo de casa e fiquei dois dias vagando pelas ruas do centro do Rio. Distribuí R$800,00 para os mendigos! Nesse período minha família ficou desesperada, acharam que eu estava desaparecido e tentaram me encontrar de todas as maneiras. No terceiro dia, depois que saí de casa, tive a idéia de entrar no rio Maracanã. Os bombeiros me resgataram. Pedi a eles que me levassem para o Hospital Philippe Pinel. Depois fui transferido para uma clínica privada, onde fiquei por 10 dias. Minha médica aumentou a quetiapina para 600mg e acrescentou 2mg de Rivotril.

A partir daí minha vida ficou do jeito que eu sempre quis. Tomo meus remédios e eles não causam os efeitos colaterais que os outros causavam. Minha psiquiatra me aconselhou a fazer terapia uma vez por semana, ter uma atividade intelectual (eu escolhi fazer um curso de inglês) e não parar com os remédios.

Desde julho de 2010 que eu não tenho alucinações, estou com meu corpo em forma e posso fazer tudo o que uma pessoa normal faz, sabendo dos meus limites: eu observei que todas as vezes em que surtei o fator principal foi o estresse. Estou feliz, centrado e vou todo mês ao Hospital Philippe Pinel (que faz parte do SUS) para minha consulta. Todo mês pego sete caixas de fumarato de quetiapina 100mg gratuitamente em um posto de Duque de Caxias, na baixada fluminense.

Antes da doença eu era um rapaz tímido e medroso. Depois de passar por toda essa experiência, eu me tornei mais forte, corajoso e maduro. A cada inspiração e expiração nós aprendemos alguma coisa nova. A vida é uma professora muito perspicaz. Tem uma citação do filósofo Friedrich Nietzsche que resume a minha vida: “Aquilo que não me mata, me torna mais forte”.

Saudações a todos!

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