A.Santos tem hoje 43 anos e mora em Brasília. Ele contou ao Portal Entendendo a Esquizofrenia sua experiência com a doença em diferentes momentos de sua vida.

Minha infância e adolescência

Minha mãe conta que quando eu era bebê até meus dois anos eu tinha convulsões e até esta fase tomei um medicamento chamado Luminaletas (fenobarbital). Lembro-me que aproximadamente aos seis anos sentia uma sensação estranha na minha cabeça que me deixava com fraqueza mental e física a ponto de apresentar muita sonolência, sensação essa que me acompanhou por toda a vida, até hoje em dia ainda sinto de vez em quando, mas, melhorou bastante. Mas, quero frisar que terminei o segundo grau, trabalhei desde os dez anos, quando comecei a vender jornais ou picolés e fazer frete de mercados em carrinhos.

Aos dezessete anos tive meu primeiro emprego com carteira assinada em uma empresa e depois servi ao Exército, voltei para a trabalhar, passei em um concurso militar onde fiquei por mais dezesseis anos. Fiz outros concursos, passei em vários e fui chamado, mas não tomei posse. Durante todo o tempo de minha adolescência e até os meus quarenta anos aproximadamente fiz vários cursos civis e militares. Tudo isso com aquela mesma sensação descrita antes, me atacando constantemente.

Lembro-me que aos dezessete anos, na sala de estar da casa de um amigo, observei na estante um livro que falava sobre psicose. Algo me chamou a atenção e eu pedi o livro emprestado. Li e fiquei assustado, pois percebi que tinha algo a ver comigo. Talvez tenha sido desde este acontecimento que fui pesquisando mais sobre minha vida, minha maneira de ser e me lembrava que desde menininho eu era muito quieto na sala de aula, retraído entre os colegas e desatento ou desligado do mundo. Mas observei que havia mudado muito pouco, pois na escola ou na rua eu não tinha coragem de conversar ou muito menos paquerar as meninas. Tinha vontade, mas não conseguia. Eu costumava ingerir bebidas alcoólicas desde meus quatorze anos, ao menos nos finais de semana, e fumava cigarro com certa freqüência, principalmente quando bebia. Isso me ajudava a me aventurar mais a mexer com as garotas.

Foi aos dezenove anos que experimentei um trago de maconha pela primeira vez. Depois disso, experimentei a maconha outras cinco vezes, mas somente um trago ou dois, passando seis meses a anos entre uma tragada e outra. Eu nunca fui usuário de maconha ou outras drogas ilícitas, usei mesmo porque estava em companhias que o faziam, mas nunca procurei por isso sozinho. Em 1997 fui levado a cheirar um pouco de cocaína em um bar. Essas coisas são geralmente normais para quem sai para beber à noite ou pela madrugada como eu fazia.

O primeiro surto

Por volta de 1997 comecei com outra sensação estranha na minha cabeça. Não sei se era uma piora da sensação anterior ou se era outra diferente. Uma sensação de descarga elétrica com o barulho característico de um curto circuito, zzzzzzzzzzzzzzzzz. Na época colocava as mãos na parede ou no chão de cerâmica para descarregar, pois achava que poderia estar com muita energia acumulada. Outra sensação ruim me afligia naquela época e perdura até os dias de hoje, certa pressão na cabeça, que é diferente de uma dor de cabeça.

Eu constituí uma família em 1989, com vinte e um anos, quando minha namorada engravidou. Tivemos um casal de filhos. Tivemos muitas discussões por diversos motivos, mas, principalmente porque eu bebia muito. Desde 2007, sentia um peso muito grande em relação ao meu serviço militar, por problemas que vinha enfrentando com um curso, que precisei entrar na justiça para que fosse reconhecido. Depois por um acidente no serviço, em que eu achava que poderiam me culpar pela morte de uma pessoa. Estava num estado de estresse tão grande que não conseguia avaliar a situação e me sentia indigno de vestir a farda.

Passei um ano e três meses sem ingerir um gole de bebida alcoólica e em março de 2001, durante as minhas férias, comi um churrasco e bebi uma única dose de conhaque. Ao me deitar com minha então esposa, lhe disse o que ocorreu. Ela se levantou da cama e disse que já havia avisado que da próxima vez não teria mais volta e que tudo estava acabado. Ela ainda passou mais uma semana em casa enquanto eu tentava convencê-la de que não iria mais beber, me declarava e implorava o seu perdão, mas depois ela me disse que já tinha outro homem e saiu de casa direto para morar na casa dele. Deixou para trás eu e nosso casal de filhos. E eu não sabia sequer quem era o homem ou onde morava.

Foi aí que eu realmente comecei a delirar, achei que ela estava sendo enganada e que poderia estar sendo raptada, que o homem queria explorá-la, fazendo-a trabalhar em um prostíbulo, e comecei a delirar com diversas idéias diferentes. Depois vieram as alucinações, via vultos passarem fora da casa e dentro, com a televisão desligada via sombras se mexendo na tela e falava com a TV. Passei oito dias sem dormir. Comecei a imaginar que ela estava presa e logo achei que ela estava dentro de um quarto na casa do vizinho dos fundos, cujo quarto era ao lado do nosso. Então eu peguei uma picareta para derrubar a parede do quarto, mas meu pai me impediu. Então eu subi pelo telhado e entrei na casa do vizinho, olhei por uma fresta na porta e verifiquei que lá só tinha papéis. Passei a procurá-la em quartéis, achando que haviam tomado ela de mim. Meu comandante deu ordem para que me internassem caso eu continuasse procurando no quartel ou em outros, mas eu continuei. Então me conduziram a um psiquiatra num hospital geral, eu achei que ele fosse Deus e ele me prescreveu oito dias em casa, disse que era normal e não prescreveu medicações. Em casa eu fui piorando, então meu pai me levou a uma consulta num hospital psiquiátrico público e o médico me passou licença e medicações. O problema foi só piorando, mesmo sem a ingestão de bebidas alcoólicas. Seis meses depois do início dos delírios e das alucinações fui internado pela primeira vez em um hospital psiquiátrico. Sai do hospital com o diagnóstico de psicose não orgânica não especificada (CID10: F29).

Aceitando a minha doença e o tratamento
Mesmo assim continuava com os delírios. Fui até a polícia civil e polícia federal denunciar que minha ex-mulher havia sido seqüestrada e que havia uma quadrilha fazendo tráfico de mulheres que interceptavam ligações telefônicas para saber da vida de casais para conseguir separá-los. Achava que tinha um objeto instalado em minha cabeça que monitorava todos os meus sentidos e ao mesmo tempo emitia sinais para mim através do tato, visão, audição, paladar e olfato. Passei a achar que tinha um sexto sentido. Pensava que estavam me envenenando em meu quarto quando eu dormia e até que colocaram veneno em minhas cuecas. Pensava até em seres extraterrestres, sobrenaturais e espionagem de guerra onde países como os Estados Unidos monitoravam pessoas de outros, como o Brasil, por computadores com câmeras e comandavam essas pessoas como quisessem sem que fossem percebidos. Entretanto, o aparelho instalado em meu cérebro estava sendo rejeitado pelo meu organismo e eu estava descobrindo isso. Eu imaginava que, se os americanos faziam isso conosco, alguém superior deveria fazer o mesmo com eles, os extraterrestres neste caso. Enfim, tive delírios e alucinações de todas as formas, cheguei inclusive a pensar ser um cyborg.

Somente depois da terceira internação é que comecei a melhorar realmente. Como minha mãe, desde o princípio do surgimento dos sintomas, havia me pedido para esquecer o passado e viver do presente e do futuro, eu perguntei, uns dois anos depois, se ainda poderíamos viver de presente e futuro. Ela me respondeu que sim, me abraçou e me beijou. Tenho isso como marco da minha volta à realidade. Desde então comecei a me empenhar mais no meu tratamento, mas tive um deslize no tocante ao alcoolismo e percebi que os sintomas estavam voltando no final de 2006. Solicitei uma nova internação e fui atendido. Então passei a me policiar mais.

Devido a eu não ter tido condições naquela época de cuidar dos meus filhos, que ficaram sob os cuidados da minha mãe, um ano depois da separação a mãe deles requereu a guarda na justiça. A juíza pretendia deixar as crianças aos cuidados da minha mãe, mas elas choravam de saudades da mãe e eu pedi a minha mãe que os deixassem com a mãe deles. Minha mãe não quis prejudicar as crianças e nem me contrariar e, então, pediu à juíza que atendesse ao pedido dos meus filhos e da mãe deles. Hoje eles vivem perto de mim, meu filho vejo todos os dias e minha filha aos finais de semana, por estar terminando a faculdade.

No início do tratamento é difícil se acostumar com a medicação. Eu me recusei a tomar a medicação, mas era forçado a tomá-la. Creio que as internações foram bastante importantes para me adaptar ao medicamento. A aceitação de que eu tenho esquizofrenia hoje para mim é normal, mas cheguei relutar contra a idéia, principalmente depois que eu soube que tinha que tomar a medicação para o resto da vida e/ou quando soube que a doença não tinha cura. Eu achava que poderia ser um transtorno passageiro, mas o diagnóstico veio na terceira internação, em 2002.

É claro que eu reclamo muito dos prejuízos que tive com a esquizofrenia, de saúde e de ordem social e profissional. Hoje sou aposentado, ou melhor, reformado, pois sou militar. Tinha uma grande carreira a seguir e foi interrompida abruptamente. Hoje os sintomas que me afligem realmente são a falta de vontade, certo cansaço, coisas em geral que estão relacionadas aos sintomas negativos da doença e vinha sentindo de vez em quando uma fraqueza mental que parecia que iria me fazer apagar completamente, mas o médico me receitou algumas vitaminas, eu cuidei mais da alimentação e agora estou melhor. Mesmo assim, me considero bastante ativo.

Sei que muitos que passam por esse problema ou parecido não querem saber de falar em religião ou em Deus, Poder Superior… Mas devemos confiar ao menos nos médicos que estudaram para nos tratar. No início eu achava que os médicos estavam me tratando como cobaia. Depois passei a perceber que eles já tinham conhecimento de outros casos parecidos com o meu, eu não era o único, por isso, não precisavam fazer experiências comigo. E para aqueles que confiam em Deus ou num Poder Superior, por que não confiar nos médicos que são criaturas dessas entidades e por isso podem ser instruídos por Deus ou por um Poder Superior?

Fez parte indispensável ao meu tratamento, fora as internações, Alcoólicos Anônimos (AA), o CAPS/AD (onde tratei o alcoolismo), o CAPS-II (onde tive atividades de ressocialização, com psicoterapia em grupos, terapia ocupacional, lazer e outros), Hospital Dia de clínica particular (HD), psicoterapia individual em clínica psicológica, consultas psiquiátricas ambulatoriais e religião.

Faço parte de uma família onde tem várias pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, desde irmãos até outros parentes e antepassados. De todos o único que tenho conhecimento de que se envolveu com cigarro, álcool e que já experimentou, mesmo que somente um pouco, outras drogas, fui eu. Por isso, creio que no meu caso a esquizofrenia eclodiu em 2001, porque eu já tinha predisposição e fatores emocionais e ambientais estavam desfavoráveis.

Hoje sei que na verdade agi com muita prudência no caso onde morreu ao menos uma pessoa quando eu estava na ativa, não poderia ter sido mais assertivo. Desde 2006 tenho uma nova mulher e dois enteados que hoje tem dezessete e dezenove anos. Ainda pretendo fazer mais cursos e talvez até mesmo uma faculdade. A vida continua mesmo depois das piores tormentas. Ter fé é essencial para que possamos superar as dificuldades que temos na vida. Boa sorte a todos!

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