O artigo de revisão foi realizado por pesquisadores do King’s College, em Londres, considerado uma das 15 maiores faculdades de medicina do mundo, e publicado na Revista de Psiquiatria Social e Epidemiologia Psiquiátrica (veja a íntegra do artiqo aqui).

As autoras Hannah Morillo, Sophie Lowry e Claire Henderson, do Departamento de Higiene e Medicina Tropical do King’s College, selecionaram 27 de um total de 2815 artigos encontrados na literatura científica até 2021 que atenderam aos seguintes critérios da revisão: (1) intervenções precisavam ser baseadas na família; (2) direcionadas a pessoas com psicose; (3) ocorrer em países de renda baixa ou média. Foram incluídos os estudos que trataram de um amplo espectro de intervenções, como terapia de família, psicoeducação de família, workshops com famílias, intervenções de suporte à família em situações de crise, intervenções focadas na família, dentre outras modalidades. A situação econômica dos países seguiu a definição do Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), incluindo 109 países. As pesquisadoras fizeram uma busca sistemática em diferentes bases de dados, como Medline, Embase, Global Health, PsycInfo, Social Policy and Practice, CINAHL, Scopus, Google Scholar, além de bases de dados chinesas.

Os estudos variaram quanto à sua duração entre 1,5 e 24 meses e todos os desfechos foram considerados, categorizados em quatro domínios: (1) condição do paciente (sintomas, recaídas, adesão, hospitalização, recovery); (2) autogestão (autocuidado, conhecimento sobre psicose, funcionamento psicossocial, habilidade para buscar ajuda); (3) desfecho social (ambiente familiar, emoção-expressada, funcionamento social e ocupacional); (4) resultados de entrega (satisfação dos usuários, comparecimento e administração da intervenção).

Os estudos selecionados foram de países como China (11 estudos), India (4), Iran (2), Vietnam (2), Egito (2), África do Sul (1), Brazil (1), Indonesia (1), Tailândia (1), Nicarágua (1) e Paquistão (1). 69% das intervenções ocorreram em zonas rurais e 74% foram baseadas na comunidade. Vinte estudos incluíram pacientes com esquizofrenia, três com transtorno bipolar e esquizofrenia (inclusive o do Entrelaços), um com transtorno esquizoafetivo e esquizofrenia e outro somente com pessoas com transtorno bipolar.

Todos os estudos têm como objetivo fundamental implementar intervenções baseadas na família e são apoiados em dois pilares: componentes psicoterapêuticos e compartilhamento de experiências e aprendizados.

Entre os componentes psicoterapêuticos estão a abordagem dos sintomas da psicose através de conversas sobre sofrimento mental e emocional, sejam por meio de técnicas de psicoeducação (22 dos 27 estudos, incluindo o do Entrelaços), terapia de família ou abordagem sistêmica. O formato das sessões de psicoeducação variou de workshops a discussões interativas em um número de 3 a 14 sessões, de 15 minutos a 2 horas de duração cada. Os conteúdos foram de uma série de seminários sobre esquizofrenia a diferentes tratamentos e reabilitação, cuidados à família e aos pacientes, estratégias de enfrentamento, emoção expressada e padrões de comunicação e interação entre os membros da família.

Quando a psicoeducação é oferecida, aspectos negativos da emoção expressada, ou mais especificamente, o superenvolvimento crítico, hostil e emocional do ambiente familiar, são efetivamente reduzidos e o cuidado da pessoa com psicose é melhorado.

O compartilhamento de experiências e aprendizado visa criar uma rede de suporte social que contribua para o cuidado e suporte contínuos das famílias e para um networking comunitário.

Os estudos reportaram múltiplos desfechos, como impactos positivos na saúde dos pacientes (26 estudos, incluindo o do Entrelaços), maiores taxas de recovery, menores taxas de recaída, menor gravidade de sintomas (como os sintomas negativos), melhora da autogestão, maior conhecimento sobre a esquizofrenia e melhora das habilidades de autocuidado (esses dois últimos enfatizados pelo estudo do Entrelaços). Desfechos sociais, como melhora do funcionamento social e ocupacional, foram destacados por todos os estudos, exceto três que não reportaram nenhuma mudança social.

Entre as estratégias de administração das intervenções, 68% são conduzidos por profissionais de saúde, dentre eles psiquiatras, psicólogos e enfermeiros, enquanto os demais por assistentes sociais, pesquisadores e trabalhadores de ONG. Entre os fatores que ajudaram na implementação são citados pesquisas preliminares com o tema e a população alvo, a robustez do método, a importância do engajamento das famílias e a adaptação cultural. Entre as dificuldades estão o estigma por parte das famílias e da comunidade e o abatimento do envolvimento das famílias com o passar do tempo.

As autoras ressaltam que esta é a primeira revisão que sintetiza os achados sobre as intervenções familiares em países com baixa e média renda e que foi encorajador perceber o aumento do número de estudos – 60% deles entre 2011 e 2020. Elas argumentam que uma estratégia de intervenção culturalmente bem fundamentada na comunidade pode servir de base para a reabilitação das pessoas com transtorno mental nesses países e que esses estudos podem informar os formuladores de políticas públicas de saúde e os profissionais e acadêmicos do campo para criação de novas intervenções custo-efetivas que possam partilhar as tarefas de cuidado com a família. A ideia é aproveitar o capital social das famílias para compartilhar com elas o cuidado, seja através da psicoeducação, do aconselhamento/terapia familiar ou de um programa combinado com tratamento de reabilitação psicossocial.

Evidências na última década têm registrado resultados favoráveis à intervenção familiar, particularmente desfechos clínicos, funcionamento social, resultados positivos aos familiares e melhora da qualidade de vida. Além disso, análises econômicas apontam para resultados positivos na poupança das famílias e melhor relação custo-benefício.

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