Vários sites de notícias da grande mídia estão vinculando o ataque ao Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, norte do Paraná, à esquizofrenia. Segundo eles, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná teria revelado que o assassino sofria de esquizofrenia e estava em tratamento para esta condição. Esta precipitação em associar um crime bárbaro à esquizofrenia não é algo novo e lembra o episódio do massacre da escola em Realengo, Rio de Janeiro, no ano de 2011, em que um assassino entrou a tiros num colégio municipal matando 12 adolescentes e ferindo outros 22. Na época a grande mídia fez uma grande cobertura associando precocemente o crime ao fato do assassino ter esquizofrenia, fato que depois não se sustentou pela falta de evidências do material que se dispunha e da impossibilidade de perícia do criminoso que se matou ao ser interceptado por policiais.

Na época o Portal Entendendo a Esquizofrenia publicou um artigo sobre estigma, que demonstra que crimes violentos associados na mídia à esquizofrenia estão entre as principais causas de aumento do preconceito contra pessoas com esquizofrenia e que tal fato não encontra respaldo na comunidade científica, uma vez que crimes como esses são raros entre pessoas com esquizofrenia e que, ainda que o diagnóstico seja procedente, existem outros fatores sociais e ambientais envolvidos que podem ter associação com o ato violento, ao invés de se atribuir a responsabilidade unicamente a um transtorno.

Jobim Lopes (2012) publicou um artigo na Revista Estudos de Psicanálise em que faz uma análise cuidadosa do material disponibilizado pela mídia sobre o assassino de Realengo e refuta o diagnóstico de esquizofrenia, alencando outros fatores que podem ter sido mais decisivos para o comportamento violento, como a história de vida do assassino, o seu fundamentalismo religioso, o passado de bullying, as dificuldades com sua sexualidade, as influências da internet e o relacionamento simbiótico com sua mãe adotiva que havia falecido meses antes do crime. É uma boa leitura crítica de como a mídia e o público em geral se ocupam rapidamente de oferecer respostas simples e prontas para crimes bárbaros sem considerar a complexidade da mente e do comportamento humano.

Ainda que a informação diagnóstica do assassino do colégio no Paraná seja verdadeira, há de se investigar a história pregressa dessa pessoa, seus relacionamentos, seus hábitos, suas crenças religiosas, as influências que teve da internet e de outras pessoas, além de submetê-la a uma perícia forense para um diagnóstico adequado de suas condições psíquicas. Estudos mostram que a esquizofrenia frequentemente é diagnosticada precipitadamente quando ocorrem sintomas psicóticos, sem a consideração de outras causas ou diagnósticos, com uma baixa estabilidade diagnóstica, ou seja, muitos pacientes podem ser diagnosticados incorretamente no início e depois necessitarem de reavaliação diagnóstica. Um diagnóstico de esquizofrenia é uma tarefa complexa, que exige experiência e tempo, muitas vezes levando de 6 meses a anos de acompanhamento.

Quando se atribui apressadamente um crime a uma condição psiquiátrica presta-se um desserviço à sociedade, aumentando o estigma e o preconceito contra pessoas com transtornos mentais, a grande maioria incapaz deste tipo de violência e na maioria das vezes vítima de uma sociedade violenta, excludente e desigual.

Fontes:
Fusar-Poli et al. Diagnostic Stability of ICD/DSM First Episode Psychosis Diagnoses: Meta-analysis – Schizophrenia Bulletin vol. 42 no. 6 pp. 1395–1406, 2016
Jobim Lopes, A. Considerações sobre o massacre de Realengo – Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte-MG, n. 37, p. 25–44, Julho/2012
Palomar-Ciria, N. et al. Diagnostic stability of schizophrenia: A systematic review. Psychiatry Research, Volume 279, September 2019, Pages 306-314. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2019.04.020

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