De mulheres internadas pelos próprios maridos após o parto dos filhos a pacientes institucionalizadas pela família antes mesmo de completar 18 anos, as moradias terapêuticas administradas pelo Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, em Campinas (SP), acumulam histórias de pessoas “esquecidas” após diagnósticos de transtornos mentais e quebra dos vínculos familiares.

Criados após a reforma psiquiátrica no Brasil e o fechamento dos manicômios, os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) surgiram como uma alternativa para pacientes que se reintegraram à sociedade após internações que podiam durar décadas em alas psiquiátricas, além de acolherem pessoas sem suporte familiar e social adequados.

Em uma moradia no Parque Taquaral, o cenário difere pouco de uma tradicional “casa de vó”. Assim como em muitas residências brasileiras, o cheiro do almoço quase pronto na cozinha, a televisão ligada e as roupas no varal mostram que ali há um lar. Neste caso, o de Carlos, Jandira, Laurinda, Luiza, Valdir e Vera.

O que torna a casa diferente pode ser notado em pequenos sinais. Em um quadro na parede, há lembretes de consultas e procedimentos médicos; no canto da sala, uma mesa e um gaveteiro servem como “escritório” para a equipe de profissionais de saúde que acompanha os residentes.

A moradora mais recente da unidade do Parque Taquaral é Luiza Finatti, de 59 anos. Vivendo na casa há cerca de dois meses, a atendida ainda guarda lembranças dolorosas do período em que passou internada após o nascimento do filho e um diagnóstico de depressão pós-parto, há 28 anos.

“Teve uma vez que eu tava na fila e um cara veio e jogou eu contra a parede. Levei 17 pontos na cabeça. Os enfermeiros, em vez de ajudar, riram. Eu fiquei sentida com isso. A gente não é bicho. A gente é ser humano, sofredor, por isso tem problema também. Se a gente não sofresse o que sofreu na vida, nunca que a gente ia ter esse problema”, diz.

Hoje, Luiza fala com orgulho sobre a própria rotina, que inclui passeios até o Bom Prato e encontros com o namorado, também paciente do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira.

“Ele fica falando o tempo todo sozinho, mas eu compreendo. Só quem vive isso para saber como é”.
Valdir Ribas, outro morador da residência terapêutica, vive uma angústia diferente. Após ter um acidente vascular cerebral (AVC) que deixou como sequela a perda de memória recente, foi levado para o SRT, de onde não pode sair sem a autorização de um responsável legal – o que ainda não aconteceu.

“Eu quero ir embora, voltar para a minha profissão, trabalhar. Sou caminhoneiro. Minha casa sempre foi a estrada, desde os 21 anos. […] Calhou de passar por algumas dificuldades na vida em que fui fraco e me entreguei para a bebida, mas espero um dia que eu supere tudo isso”, lamenta.

Atualmente, Campinas conta com 15 moradias terapêuticas associadas aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e divididas em duas categorias:

Gestora do Caps 3, responsável pela supervisão da residência visitada pela reportagem, a terapeuta ocupacional Lívia Bevilacqua destaca que os principais desafios para o serviço são atualmente o financiamento e a judicialização dos casos atendidos na rede.

“Acabamos vendo casos em que a pessoa tem família estruturada, mas ficou muito tempo em leito hospitalar e esse leito precisa ser desocupado. Acaba indo para lá [moradia] e, depois de um tempo, a gente avalia que não é bem assim, que poderia ter voltado para a família”, explica.

“É uma república. São serviços que têm uma complexidade, inclusive, no gerenciamento. […] É um trabalho intersetorial, é um trabalho de território. Você tenta resgatar questões que, muitas vezes, essa pessoa não teve ou não aprendeu mesmo”, destaca.

Fonte: G1

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