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Morte de Eduardo Coutinho provoca reflexões sobre a esquizofrenia.

por | fev 11, 2014 | 6 Comentários


Mais uma vez assistimos a esquizofrenia no centro das páginas policiais sendo responsabilizada por mais uma tragédia, desta vez envolvendo a família de Eduardo Coutinho, cineasta, que foi morto a facadas pelo seu filho, Daniel Coutinho, presumidamente portador de esquizofrenia, e que também esfaqueou sua mãe e tentou depois se matar.

Informações inicialmente divulgadas pela imprensa diziam que o filho do cineasta, visivelmente perturbado, teria dito a um vizinho que “queria salvar o pai e toda a família”. Depois de ser interrogado pela polícia, Daniel teria confessado o crime e houve declarações do delegado responsável de que não seria possível atestar se as motivações para o crime teriam realmente relação com a doença mental e que seria necessário aguardar o exame pericial do acusado.

Mesmo que a investigação policial demonstre que não foi a doença mental a principal responsável pelo assassinato de Eduardo Coutinho e que Daniel possuía, no momento do crime, consciência e capacidade de discernimento de seu ato, os efeitos devastadores que uma notícia como esta tem, vinculada a uma doença já muito estigmatizada, não poderão ser mais reparados.

Crimes como este, que sejam cometidos por pessoas com esquizofrenia ou que prematuramente são atribuídos a doença, grudam no imaginário das pessoas e reforça o preconceito de que a doença mental, principalmente a esquizofrenia, oferece riscos a sociedade e que pessoas que dela sofrem precisam ser afastadas, institucionalizadas ou encarceradas.

Um estudo norte-americano comparou a percepção das pessoas sobre a esquizofrenia nos anos 50 e atualmente e verificou que, apesar da sociedade estar melhor informada, o preconceito contra os doentes mentais aumentou nas últimas décadas e o grande responsável por isso é a associação com a violência e o receio que as pessoas em geral têm de serem vitimadas por algum paciente.

Existem inúmeros estudos que comparam as taxas de violência e de crimes cometidos por pessoas com esquizofrenia com a população geral e eles são unânimes em afirmar que pessoas com esquizofrenia cometem menos crimes do que a população geral e que eles são muito mais vítimas de alguma violência do que algozes dela.

Em todas as campanhas contra o estigma e o preconceito escuta-se que pessoas com esquizofrenia não são violentas, de que é uma doença como outra qualquer e que com o tratamento as pessoas podem se recuperar e levar uma vida normal. Porém, reportagens de jornais relacionando crimes a doentes mentais têm aumentado muito nas ultimas décadas e isto contribui para alimentar esta sensação na sociedade. Notícias como esta do assassinato de Eduardo Coutinho, jogam por terra qualquer esforço de combate ao estigma e são capazes de destruir anos de trabalho.

Após a deputada Gabrielle Gifford ser baleada em Tucson, Arizona, por um homem que saiu atirando a esmo, uma mulher esquizofrênica escreveu para o presidente Obama: “Eu estou muito preocupada com o problema das pessoas com doença mental grave que não são tratadas neste país. Quando violentas, elas mancham a nossa reputação. Eu sinto isto na pele… Por favor, cuide para que tragédias como esta não se repitam.”

Um estudo com 802 pacientes mostrou que os violentos tinham quase duas vezes mais chance de não terem aderido ao tratamento do que os não violentos. Vários estudos confirmaram que o tratamento com antipsicóticos reduz o comportamento agressivo nos pacientes. O reconhecimento e o tratamento precoce dos pacientes podem ser, portanto, medidas úteis tanto para reduzir os casos de violência associados à doença mental como para combater o estigma na sociedade.

O problema parece ser ainda mais complexo quando serviços de assistência e muitos profissionais de saúde e familiares de pacientes parecem não compreender ou não trabalhar o suficiente para que pacientes com esquizofrenia sejam logo conduzidos a um tratamento. Essa não é uma realidade somente no Brasil, mas países em desenvolvimento vêm se preocupando em acelerar o atendimento a essas pessoas com programas de governo para o atendimento às pessoas com o primeiro episódio psicótico.

Pesquisas demonstram que o atraso médio para um primeiro atendimento chega a 1 ano após o início dos primeiros sintomas psicóticos. Sabemos das dificuldades muitas vezes de reconhecer os sintomas, de convencer o paciente a aceitar ajuda, pois a negação de estar doente no começo é quase unânime entre os pacientes, de encontrar serviços capacitados para este primeiro atendimento, porém é preciso difundir a informação de que o atraso no tratamento pode acarretar sérios riscos à saúde dessas pessoas, inclusive com o risco de suicídio.

Existem quatro fatores que impactam negativamente o prognóstico da esquizofrenia e que podem dificultar a recuperação do paciente, ou seja, a forma como ele vai sair do estado psicótico, se conseguirá retomar suas atividade e relacionamentos, como será sua qualidade de vida: (1) tempo de demora para iniciar o tratamento médico; (2) falta de adesão ao tratamento médico – 3 em cada 4 pacientes interrompem o medicamento por conta própria nos primeiros dois anos de tratamento e tem recaídas; (3) abuso de drogas – mais de 50% dos pacientes tem histórico de abuso de maconha; (4) famílias com alto nível de sobrecarga emocional, como expectativas e cobranças excessivas, muita crítica ou hostilidade com o paciente.

Hoje um tratamento abrangente para a esquizofrenia deve contemplar necessariamente as estratégias de enfrentamento desses quatro fatores: (1) serviços e profissionais treinados para o reconhecimento precoce da esquizofrenia e demais transtornos psicóticos, com educação de pais e professores, que são os mais capazes de fazer acender a luz amarela e buscar logo uma avaliação nos primeiros sinais; (2) médicos capazes de reconhecer precocemente a não adesão do paciente ao tratamento (pesquisas mostram que muitas vezes a família não consegue identificar que o paciente não está tomando a medicação regularmente) e prescrição de antipsicóticos de longa ação (injeções mensais) para garantir o tratamento farmacológico que o paciente necessita para não ter recaídas; criação de serviços de medicação de longa ação nos hospitais, ambulatórios e CAPS, para permitir o fluxo de pacientes que necessitam deste recurso; (3) atendimento das comorbidades, principalmente dependência química, através de grupos de ajuda e oficinas para dependentes; (4) fazer com que a informação sobre a esquizofrenia chegue a todas as famílias que estejam envolvidas, estimular a criação de grupos de auto-ajuda na comunidade com famílias e pacientes com esquizofrenia para que possam buscar em conjunto as soluções para os principais conflitos; ampliação da rede social dessas famílias através de associações de familiares.

O Estado precisa cuidar dessas pessoas que estão em risco, oferecer apoio e tratamento, antecipando-se a possíveis tragédias. Seria uma maneira de prevenir que crimes cometidos por pessoas mentalmente doentes ocorram e ganhem a mídia. Dificilmente campanhas antiestigma terão sucesso diante do efeito que notícias como estas têm sobre as pessoas.

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6 Comentários

  1. Jane

    Passei a última semana me desgastando com comentários no Facebook onde pessoas até esclarecidas insistiam em colar a imagem do esquizofrênico com a violência. Esforço inútil, o preconceito é grande.
    Outro ponto que prejudica muito é utilização da palavra esquizofrenia como sinônimo de algo confuso e fragmentado, muito usada na imprensa. No domingo o jornal O Globo trouxe uma entrevista com uma socióloga que cunhou ou termo “esquizofrenia social” para o momento violento em que estamos vivendo. Muito revoltada mandei uma mensagem para o jornalista e o editor. Abaixo o link da matéria e a mensagem que enviei.
    Att.
    Jane
    matério do Globo: http://oglobo.globo.com/rio/sociedade-sofre-influencia-do-que-chama-de-esquizofrenia-social-diz-sociologa-11550781

    mensagem que enviei:
    Prezado Luiz Ernesto Magalhães,

    Não posso deixar de me manifestar diante da matéria que tornou meu café da manhã indigesto. A entrevista com a socióloga Elza Pádua me parece pontuada por equívocos. A começar pelo uso da palavra “esquizofrenia” que já deveria ter sido abolida da imprensa como sinônimo de algo estranho e incompreensível como tem sido usada. Assim como “judiação e denegrir”, entre outras palavras, carrega um sentido que fere determinado grupo social. É palavra que define uma doença grave cujos portadores são naturalmente discriminados e o uso leviano do nome do transtorno só contribui para aumentar o preconceito. Pergunte aos familiares dos esquizofrênicos o que sentem com isso.
    Nossa Língua é tão rica e não seria difícil encontrar palavra adequada para a situação. Ao “cunhar” o termo “esquizofrenia social”, a “socióloga”, veja que ironia, não se deu conta do quanto estaria prejudicando com sua visão limitada os doentes indefesos. E não satisfeita ainda ilustrou seu pensamento com a tragédia de Eduardo Coutinho, estabelecendo uma conexão entre esquizofrenia e violência. Ora, um pouco de leitura, até mesmo no Google é suficiente para saber que a esquizofrenia não torna a pessoa violenta, o distúrbio apresenta um grande risco aos seus portadores pelas tendências suicidas, mas uma vez tratados devem ser vistos como mais humanidade.
    Poderia ainda mencionar a visão de militante da entrevistada, que ficou bem evidente no texto quando relaciona até críticas ao governo na Rede como uma forma de “discurso que favorece a violência”, ou o “desrespeito ao outro”, que trata como uma via de mão única, mas isso me afastaria do foco principal que é a injustiça contra os esquizofrênicos.
    Enfim, fica a pergunta: onde o Globo encontra pessoas como a tal socióloga para entrevistar? Acho que o jornal deveria ser mais seletivo ao perceber determinados sinais tendenciosos na fala entrevistado. E em caso de dúvida, confrontá-lo com outros especialistas.
    Atenciosamente,

    Responder
  2. Ivone Fraizleben

    Lembro-me de uma frase que o médico de minha filha disse, logo no início do diagnóstico:” Esconda todas as facas e objetos pontiagudos de sua casa, pois o esquizofrêenico não age em decorrência de algum sentimento e, sim, simplesmente obedecendo a um comando….”
    Chorei um dia inteiro por conta dessa frase. No dia seguinte, levantei a cabeça e decidi lutar e não deixar isso me abater. Procurei outro médico e até hoje estamos procurando a medicação ideal. Seguimos o lema: A doença tem TRATAMENTO! A cada consulta procuramos melhorar mais e mais e sempre insisto em procurar o melhor. A maior barreira que encontramos é a quetão do alto custo da medicação. Felizmente trabalho e posso custear o tratamento, mas entristeço-me ao me lembrar que muitos não tem essa sorte….

    Abraço,

    Ivone

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    • Izana alves

      mas é verdade muitos esquizofrenico são sim violentos, em casa temos que esconder tudo, eu mesma como irmã de um já fui espancada, já tentou me matar por 3 vezes com faca, martelo e uma pernamanca, em família passamos por medo o tempo todo, ele não aceita tratamento, não toma banho, o odor é insuportável, faz coisas pra entrar na nossa mente e nos desestabilizar é um lar infernal, já tive vontade de mata lo e livrar nossa família desse mal, peço muitas vezes pra ele morrer a gente poder viver em paz, não há um lugar que possamos interna lo, pacientes assim extremamente violentos poderiam ficar em locais longe da sociedade, por que é uma tragédia anunciada.

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  3. Helena Katharina Kulnig

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer todas as informações que recebo deste site. Desde que meu irmão foi diagnosticado esquizofrênico vinha buscando algum site que me ajudasse a compreender seu estado e me fornecesse dicas de como lidar com ele e o preconceito da sociedade, inclusive da minha família.
    Poucos dias atrás meu irmão foi a júri popular e condenado a 15 anos de prisão por um crime que cometeu sob um surto psicótico, 9 anos atrás.
    Até então já tínhamos tentado vários psiquiatras e tratamentos diferentes e, infelizmente, nenhum surtiu efeito, muitas vezes pelas mesmas razões apontadas no artigo acima.
    Nunca negamos o crime. O que sempre tentamos fazer foi justamente mostrar às pessoas que ele precisa de tratamento médico (inclusive ele apresentou uma melhora bastante significativa após o início do tratamento com as injeções mensais) e não o encarceramento. Infelizmente não foi o suficiente….
    Acredito que as pessoas deveriam ser mais tolerantes e se preocupar mais com problemas como esquizofrenia, autismo, síndrome de Down e tantas outras doenças que necessitam uma compreensão maior e melhor, deixando de lado o preconceito enorme que há de lado.
    Agradeço, mais uma vez, o apoio que sempre recebo deste site.

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  4. Simone Lima

    Desde o diagnostico da minha irmã em dezembro de 2012, que aponta para Esquizofrenia. Minha família tem evitado assistir programas de cunho jornalístico. Quando se deparam com um caso de assassinato ou violência promovido por um doente mental, os jornais transformam em um verdadeiro circo, e tripudiam na dor alheia.
    Talvez agora por ter um familiar doente tenho prestado mais atenção ao preconceito das pessoas com relação aos doentes mentais.
    Seguimos com o tratamento e eu digo para minha irmã todos os dias: ” Você não é uma doença, é um ser humano amado, que tem problemas como quaisquer outro”. Minha irmã é doce e amável tanto com nossos sobrinhos pequenos, como com nossos tios mais velhos. Meus pais e meus outros irmãos se reversam nos cuidados para garantir a ela, pelo menos um pouco de dignidade neste mundo cão,onde vender noticias é mais importante do que informar verdadeiramente.

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  5. MArcio

    Olá, bom dia.

    Estou passando por uma dificuldade muito séria com um irmão esquisofrênico. No último dia 10/08/2014 ele tentou matar minha mãe de 71 anos de idade à socos. Se eu não chegasse a tempo o pior teria acontecido. Preciso muito de orientações. Se puder passar telefone eu ligo. Muito obrigado pela atenção!
    marciorica@yahoo.com.br
    skype: marcio.ricardo1010 (são josé dos campos)

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