Blog

Iniciativa pioneira no Brasil para a inclusão de pessoas com transtornos mentais no mercado formal de trabalho

por | jun 30, 2015 | 3 Comentários


Por Ana Cecília Salis – Psicóloga Diretora da empresa Ana Salis PGT Consultoria em Trabalho Assistido Ltda. Vencedora do Prêmio “Ser Humano” promovido pela ABRH/RJ, edição 2010.

Como proposta pioneira de inclusão social pela via do trabalho, o Projeto Gerência de Trabalho (PGT) se apresenta como modelo de uma nova prática de cuidados no campo da saúde mental, cujo objetivo é estabelecer as condições de acesso e permanência de pessoas com transtorno mental no mercado formal de trabalho.

Em curso na cidade do Rio de Janeiro/RJ desde 2008, esse projeto tem hoje (2015) 52 usuários, de diversos serviços e dispositivos de saúde mental, espalhados pelo RJ e outros municípios, trabalhando na empresa PREZUNIC – CENCOSUD S.A. com todos os seus direitos trabalhistas garantidos.

Partindo de metodologia específica, o que prevê o PGT é o suporte a essa população para que possa exercer a sua cidadania por meio do trabalho formal. Será na oferta de treinamento e acompanhamento no próprio local de trabalho (realizado por estagiários de psicologia), na disponibilização de contratos de trabalho no formato “horista” (para contemplar os que não possam cumprir o horário regulamentar de trabalho) e no estreito contato com os serviços de saúde mental aos quais pertençam esses novos trabalhadores (para o acompanhamento compartilhado da evolução da experiência de trabalho), que o PGT vem estabelecer as suas condições de funcionamento.

Como resultados obtidos desde a sua implantação, o PGT conquistou:

– A primeira assinatura no Brasil de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) (2010) entre uma empresa privada (PREZUNIC) e o Ministério Público do Trabalho (MPT/RJ/2010), contendo uma cláusula de responsabilidade social contemplando ‘projetos e programas de inclusão de pessoas com transtorno mental (dentre outras) no mercado formal de trabalho’;

– O Prêmio “Ser Humano”, edição 2010, promovido pela ABRH/RJ, concorrendo pela empresa PREZUNIC.

– No ano de 2012, inspirado pela proposta e prática do PGT, o MPT/RJ, em decisão inédita no Brasil, determina a inclusão de pessoas com transtorno mental na Lei 8213/912, conforme a Convenção da ONU (2006), na categoria da DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL.

E para ilustrar os efeitos do PGT sob a população assistida, segue o relato de quatro histórias de participantes do projeto (seus nomes serão omitidos para proteger suas identidades):

Funcionário J.M. (homem, 57 anos, carga horária de 6 horas semanais, CID 10: F20.5; contratado em 2008):

Desconhecido o paradeiro de sua família de origem, além da real data de seu nascimento e registro civil (situação resolvida pela gestão do IMNS/RJ, 2001/2009 estabelecendo datas “fictícias” para registros) esse funcionário permaneceu em instituições psiquiátricas a maior parte de sua vida. Com diagnóstico “incapacitante”, o que o caracterizava era a prática do silêncio, quase absoluto, na maneira de conduzir-se na vida. No entanto, ao ouvir sobre a possibilidade de ingressar num emprego por meio do Projeto Gerência de Trabalho (PGT), do então Instituto Municipal Nise da Silveira, IMNS/RJ (onde residia), foi capaz de dirigir-se à coordenação do PGT com a seguinte fala: “Eu quero trabalhar”. A partir de então, ele não só iniciou suas atividades de trabalho, como também passou a dar valiosas informações sobre sua vida pregressa, coisa que jamais havia feito antes. Pois hoje ele já está no seu sétimo ano de trabalho se comunicando e se socializando com muito mais desenvoltura com todas as pessoas de sua convivência diária. Embora tenha sido inicialmente avaliado que esse funcionário não conseguiria aumentar sua carga horária de trabalho de quatro horas semanais, fomos surpreendidos com o “seu pedido” para aumentar em mais duas horas na semana. Foi assim que ele passou para 6 horas semanais e assim permanece até os dias de hoje.

Funcionário S. (homem; 45 anos; carga horária de 30 horas semanais; CID 10. F20; contratado em 2009):

Esse funcionário iniciou sua primeira experiência de trabalho formal com o projeto. Seu histórico psiquiátrico teve início aos 16 anos quando da perda de seus pais. Sendo o segundo filho entre quatro irmãos, relata que não suportou essa perda e a família não soube dar suporte a ele. Desde então, iniciou sua peregrinação pelas ruas e por hospitais psiquiátricos. Dentre elas, consta uma séria tentativa de suicídio quando, segundo ele mesmo, deitou-se ao chão, no meio da rua, esperando que um caminhão lhe atropelasse. Nesta sua versão, ele afirma que “foi Deus quem impediu que morresse”, já que neste episódio o tal caminhão passou apenas por cima de seu braço, e nem esse ele perdeu. Após esse incidente, por volta dos trinta anos, ele decidiu reiniciar seu tratamento, retomar seus estudos numa escola e voltar-se para a igreja. Foi quando ele reiniciou seu tratamento, agora em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que o acolheu e o ajudou a entender que era necessário tomar medicação mesmo quando não estivesse em “crise”. Isto também o ajudou a retomar o contato com sua família de origem (seus irmãos). Do tempo dedicado à escola, teve a oportunidade de conhecer a sua atual esposa. Essa época foi marcada pela estabilização da sua psicose e, contando com a experiência de estar novamente com uma família, tratamento e casado, faltava-lhe apenas conseguir um emprego para dar seguimento aos seus projetos.

Bastante desenvolto e plenamente capaz de aprender suas tarefas, S. iniciou suas atividades de trabalho como “auxiliar de operações” em março de 2009 em horário integral. No entanto, em vista de algumas limitações (físicas e emocionais) que foram se impondo com tempo, fomos obrigados a reduzir seu horário (2011) para 30 horas semanais, condição para que ele pudesse se manter no emprego. Ainda assim, vem desenvolvendo muito satisfatoriamente sua experiência de trabalho, considerando ainda que, no ano de 2009, chegou a ser premiado com um “diploma” de melhor funcionário do mês.

No seu primeiro período de aquisição de férias (abril de 2010), quando lhe foi perguntado, em entrevista, o que estava sendo a experiência de trabalho, ele nos diz: “Agora eu sou um cidadão. O que vale para os outros, vale para mim também…”.

Funcionária, G. (mulher, 49 anos, solteira, CID: F20, contratada em 2010, carga horária inicial: 4 horas semanais).

Abandonada pelos pais na infância, G. primeiramente foi acolhida por uma instituição pública de atenção a menores (FEBEM) e após adolescência foi moradora de rua até ser novamente acolhida por um Abrigo público (Fundação Leão XVIII) onde reside até os dias de hoje. No seu percurso na Fundação, teve duas filhas (entregues para adoção) e foi lá que identificaram sua psicose (quadro delirante e alucinatório) dando início ao tratamento psiquiátrico. Nunca mais teve notícias das filhas e da família de origem. Embora tenha escolaridade e conseguido alguns empregos durante sua vida, não permaneceu em nenhum deles por mais de 5 meses. Iniciando sua experiência de trabalho (2010) cumprindo apenas 4h semanais, hoje G. trabalha 30h semanais adquirindo uma autonomia jamais conquistada e se mantendo estável quanto às crises psicóticas.

Funcionária, R. (mulher, 39 anos, solteira, Ensino Fundamental I (inc.); CID: F29, contratada em 2010, carga horária inicial: 4 horas semanais).

Surda do ouvido direito, e com apenas 10% de audição no esquerdo, R. sempre enfrentou dificuldades em se relacionar. Embora tenha frequentado escola até a 5ª série do ensino fundamental I, não desenvolveu sua capacidade de comunicação e manteve-se isolada a maior parte de sua juventude. Aos 19 anos teve sua primeira “crise” psicótica e, de lá para cá, vem se tratando no Hospital Pinel/RJ. Na sua entrevista de emprego, R. disse que nunca havia trabalhado, mas que queria muito essa experiência para ter seu próprio dinheiro. Iniciando suas atividades, cumprindo apenas 4horas semanais, hoje, mesmo enfrentando todas as suas dificuldades, R. trabalha horário integral e se mantem estável quanto às crises psicóticas.

A partir desses resultados o que, de fato, pretendemos é oferecer apenas mais uma opção democrática de inclusão social, atendendo às reais demandas de cuidados a usuários de saúde mental que queiram exercer sua cidadania por meio do trabalho formal. E desta forma, alinhado aos ideais da Reforma Psiquiátrica Brasileira, o PGT quer promover o alargamento dos espaços socialmente compartilháveis a uma parcela da população historicamente excluída do contrato social.

Para mais informações sobre o projeto de gerência de trabalho, entre em contato com a psicóloga Ana Cecília Salis pelo e-mail: anasalis@gmail.com

Compartilhe:

3 Comentários

  1. luciana

    temos também um projeto de geração de trabalho e renda ligado à saúde mental de são paulo. Associado à economia solidária

    Responder
  2. Mariana

    o projeto é muito legal, tem uma função importantíssima na nossa sociedade! O Site é http://anasalispgt.com/

    Responder
  3. Tatiana Alves de Oliveira

    meu nome é Tatiana Alves gostaria de trabalhar sou especial cid10f20 moro em Guarulhos se tiver uma pioneira aqui perto me contrata porque preciso

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Arquivo

Leia o livro

Que tal receber nosso conteúdo por e-mail?
Assine a nossa newsletter!