Entrelaços: apoio às famílias
Entrelaços é um programa de psicoeducação do Setor de Família do Instituto de Psiquiatria da UFRJ-IPUB criado em 2011 com o objetivo de educar as famílias que convivem com Transtornos Mentais Severos, como esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo e transtorno bipolar, para que possam lidar melhor com a doença mental, reduzindo o estresse e a sobrecarga na família, solucionando da melhor forma os conflitos e problemas, contribuindo, assim, para uma evolução mais positiva e para a recuperação pessoal de seus entes queridos.
O programa consiste de uma etapa de seminários, para levar a informação de qualidade às famílias, inclusive aos pacientes, e de uma etapa de encontros em grupos de famílias, onde são discutidos os principais problemas enfrentados por eles com o objetivo de buscar conjuntamente soluções eficazes e desenvolver uma expertise para que cada pessoa possa lidar da melhor forma possível com a doença.
O programa Entrelaços tem ampliado a rede social de apoio das famílias que convivem com os transtornos mentais severos, criando grupos de apoio comunitários na cidade do Rio de Janeiro, liderados por familiares e pacientes, recebendo novas famílias que buscam ajuda (para mais informações CLIQUE AQUI).
O Portal Entendendo a Esquizofrenia, comprometido com iniciativas como esta, divulga em primeira mão as mensagens dos seminários do Programa Entrelaços 2017 para familiares e pacientes manterem em mente, para uma relação mais saudável e produtiva, capaz de auxiliar na busca pela recuperação de cada um deles.
Toda a semana publicaremos aqui novos tópicos do que foi abordado nos seminários. Acompanhe!
Seminário 1 – A importância do ambiente familiar nos transtornos mentais severos
1. O transtorno mental não é necessariamente deteriorante! Com um tratamento e um ambiente favorável é possivel ter uma boa evolução e até se recuperar!
2. Um fator preponderante na evolução são as emoções expressadas na família. Atitudes de crítica, hostilidade e superproteção caracterizam alta emoção expressada. E alta emoção expressada contribui para um maior número de recaídas e maior gravidade dos sintomas, levando a um curso mais crônico da doença.
3. Alta emoção expressada aliada ao contato excessivo com o paciente é um forte preditor de recaídas, independentemente do paciente usar ou não medicação. É como se a alta emoção expressada na família anulasse os efeitos protetores da medicação.
4. Atitudes que diferenciam famílias com alta e baixa emoção expressada são: respeito às necessidades de relacionamento do paciente, atitude de legitimidade da doença, ou seja, não negar a doença, nível de expectativa de funcionamento social do paciente, ou seja, reduzir expectativas e cobranças incompatíveis com a realidade, ampliação da rede social, ou seja, aumentar o seu ciclo social e sair para atividades sociais e de lazer.
5. Para fazer essa transformação e baixar o nível de emoção expressada é importante se educar sobre a doença, aprender a solucionar os problemas, melhorar a comunicação, reduzir as expectativas, reduzir as respostas emocionais à doença, reduzir o tempo de contato direto com o paciente e expandir a rede social.
6. Isso é possível através de programas de psicoeducação como o que você começa a participar. Pacientes cujas famílias participaram desses programas tiveram menos recaídas e melhor evolução. Esse efeito pode ser sentido mesmo após 7 anos da intervenção.
7. Para atingir o objetivo é importante participar do programa completo, tanto dos seminários como da etapa de encontros em grupo, que dura cerca de 9 meses. Participar somente dos seminários não é suficiente para ter os benefícios de longo prazo desse tipo de programa.
8. Os encontros em grupo permitem que as famílias compartilhem as experiências e busquem as soluções conjuntamente, fortalecendo e ampliando seus laços sociais, formando uma rede de apoio.
9. Os pacientes são convidados a participar junto com seus familiares. Na nossa experiência, pacientes que participam saem mais fortalecidos, preparados e empoderados e isso contribui para sua recuperação. Contudo, a participação deve ser voluntária, o paciente deve ir se quiser e se sentir-se à vontade. Ele não deve ser forçado ou pressionado a ir, pois se for estressante para ele, os efeitos poderão ser negativos.
Seminário 2 – Introdução às psicoses
1. Os transtornos mentais são chamados de transtorno ao invés de doença, pois não possuem substratos fisiopatológico e anatômico conhecidos, são constructos teóricos baseados em sintomas, funções e evoluções.
2. Os nomes dos transtornos são meras convenções para agrupar determinados sinais e sintomas comuns a um grupo de pacientes. O mais importante é compreender a dinâmica do funcionamento do indivíduo por trás do nome, sem a qual o nome não tem sentido.
3. O diagnóstico psiquiátrico é realizado pela história do paciente e pelo exame psíquico, onde é possível o psiquiatra avaliar as funções psíquicas e cognitivas, como humor, pensamento, sensopercepção, consciência, atenção, memória, dentre outras. Não existem exames que possam diagnosticar com certeza um grupo de transtornos, exceto o grupo das demências.
4. Psicose é o termo utilizado para definir um grupo de transtornos que cursam com a perda do juízo de realidade, ou seja, da capacidade de diferenciar fantasia da realidade.
5. A psicose é um aspecto do indivíduo que influencia a cognição, o humor e o comportamento, mas não resume o indivíduo à isso. Mesmo psicótico, a pessoa pode ter momentos de normalidade, em que possui a razão. Ou seja, ninguém é 100% do tempo psicótico, ainda que esteja em crise.
6. Existem dois tipos principais de psicose: psicose processual e psicose afetiva. O protótipo da psicose processual é a Esquizofrenia e da psicose afetiva o Transtorno Bipolar. A principal diferença entre ambas é que a processual normalmente tem um curso lento e progressivo (como um processo), que pode se desenrolar por anos até eclodir num surto agudo, enquanto a afetiva tem um início mais súbito e um comportamento mais cíclico. Ambas têm sintomas semelhantes, como delírios e alucinações e podem ser difíceis de diferenciar num surto agudo. Ambas prejudicam o funcionamento psicossocial do indivíduo e podem evoluir para um estado crônico se não forem tratadas.
7. As psicoses processuais começam com uma sensação vaga de estranhamento da realidade e de si próprio (desrealização/despersonalização), com uma angústia por não saber o que está acontecendo (humor delirante difuso) e uma necessidade em buscar significados para aquele sofrimento, o que gera as primeiras percepções delirantes e ilusões, que mais adiante podem evoluir para delírios e alucinações. É comum o paciente se isolar mais socialmente e se retrair mais do convívio com a família, o que muitas vezes é confundido com depressão.
8. As psicoses afetivas geralmente começam com variações de humor entre depressão e irritabilidade/euforia, dando a impressão que o humor e o comportamento da pessoa são imprevisíveis. Ocorrem flutuações nas atividades sociais, como trabalho e escola, de acordo com o estado da pessoa, da mesma forma como os relacionamentos podem se tornar conturbados e intensos, alternadamente com o isolamento quando a pessoa está mais deprimida. As distorções da realidade, como delírios e alucinações acompanham as flutuações do humor e tem um viés afetivo (p.ex. delírios de grandeza quando se está eufórico e delírios de ruína quando se está deprimido).
9. A esquizofrenia, como uma psicose processual, pode ser compreendida dentro de 4 diferentes fases de acordo com a evolução e os sintomas. (A) A fase pré-mórbida é caracterizada por sintomas cognitivos (dificuldade de atenção, memória e aprendizado), motores (tiques, distúrbios da coordenação motora fina) e sociais (retraimento emocional, isolamento social) geralmente inespecíficos e de difícil diagnóstico e que podem iniciar-se na infância. (B) A fase prodrômica apresenta os primeiros sinais de psicose, com alguns pensamentos excêntricos, distorções leves da realidade, ilusões ou alucinações espaçadas, mas com o paciente apresentando maior dificuldade para realizar suas atividades, iniciando-se comumente na adolescência. (C) A fase psicótica corresponde ao surto agudo, em que o paciente apresenta os delírios, alucinações, distúrbios do comportamento em maior intensidade. (D) E a fase estável é aquela em que o indivíduo pode experimentar diferentes níveis de recuperação de acordo com o tratamento, a gravidade e o número de recaídas, a demora em iniciar o tratamento e a qualidade do ambiente sócio-familiar. Ele pode melhorar dos sintomas e recuperar sua funcionalidade, pode ficar com algum nível de sintoma e com alguma dificuldade para realizar suas atividades ou pode permanecer com sintomas psicóticos que interferem em sua vida a ponto de não conseguir se envolver em atividades sociais ou ocupacionais, requerendo maior nível de atenção.
10. Um aspecto importante para a recuperação é a precocidade com que se inicia o tratamento. Hoje sabe-se que a psicose provoca uma tempestade química, prejudicando a cognição. Quanto maior o tempo de psicose, maior serão as dificuldades para a recuperação. Infelizmente a média de atraso no tratamento da esquizofrenia ainda é alta, um ano após o surgimento dos primeiros sintomas psicóticos. Um esforço tem sido levar informação às famílias para reduzir a negação e o estigma a fim de acelerar a procura por tratamento adequado.
11. As fases dos transtornos afetivos dependem da síndrome, ou seja, do conjunto de sinais e sintomas. Existem as fases depressiva (predomínio de depressão), maníaca (predomínio da excitabilidade ou euforia) e mista (quando há sobreposição de depressão com excitabilidade). Da mesma forma como na esquizofrenia, pode haver uma fase aguda, em que os sintomas estão mais evidentes, e uma fase estável, em que indivíduos experimentam diferentes estágios de recuperação, semelhante à esquizofrenia, com níveis variados de funcionalidade.
12. A recuperação pessoal é possível para todos os pacientes, independente da gravidade ou do estágio em que se encontram. A recuperação é um processo não-linear com objetivos individuais, onde o desfecho não é necessariamente o retorno à vida que levava antes ou uma vida independente e produtiva, mas o bem-estar e a participação ativa na comunidade, sentindo-se útil e parte dela. Isso é possível alcançar mesmo nos quadros mais graves.
13. A reação da família varia de acordo com cada fase da doença. Antes do primeiro surto é comum a negação, tanto por parte da família como do paciente. A negação aliada ao estigma da doença mental são as principais razões para não se buscar o tratamento. Logo após o diagnóstico são comuns sentimentos de revolta, culpa e medo. A família tenta lidar com a doença e com esses sentimentos de maneira intuitiva, na tentativa e erro, e isso muitas vezes leva a relacionamentos conturbados entre familiares e pacientes, que geram as emoções expressadas.
14. Entre os medos comuns dos familiares e dos pacientes, o que dificulta o início do tratamento, estão: crença de que os remédios são fortes e causam dependência, medo dos efeitos colaterais que impedem o funcionamento da pessoa, se vai ter que tomar o remédio para sempre, o medo da internação e o que fazer quando o paciente se recusa a tomar o remédio, o medo do preconceito e do estigma de ter uma doença mental, as incertezas sobre o futuro e o devido amparo afetivo, financeiro e legal que o paciente terá na ausência de seus pais ou responsáveis legais.
15. A melhor forma de combater esses medos e preconceitos é com a informação! A informação deve ser de qualidade, preferencialmente através de programas de psicoeducação, permitindo um enfrentamento consciente dos problemas. Isso requer compreender melhor a realidade do paciente e dos desafios que estão por vir.
16. Evitar a antecipação desnecessária dos problemas e situações de vida e pensar cada dia de cada vez, procurando solucionar os problemas na medida em que aparecem. A antecipação desnecessária gera mais medo e angústia.
17. Esse processo de educação da família e do paciente deve ser constante e levar a um amadurecimento progressivo. Há sempre algo novo para aprender e aperfeiçoar, seja trocando experiência com pessoas que vivem realidades semelhantes, seja desenvolvendo e aprimorando novas técnicas de solução de problemas e comunicação.
18. É preciso tranquilidade e uma atitude construtiva! Mudar sua postura diante do paciente e do problema, reduzindo o nível de ansiedade e de resposta emocional, cuidar da comunicação entre vocês para que seja possível formar uma parceria, em que todos estejam imbuídos de um mesmo objetivo de recuperação.
19. Uma técnica de comunicação efetiva envolve 4 etapas (método LEAP): (A) ouvir o paciente, compreender o que ele está vivendo, colocando-se em seu lugar. Não antecipar sua opinião antes de ter certeza de que você compreendeu tudo o que ele tem a lhe dizer e que ele entendeu que você o escutou atentamente. (B) empatizar, ou seja, através da escuta, criar uma empatia com o paciente, para que ele enxergue em você uma pessoa em quem ele pode confiar e se abrir, eventualmente até se aconselhar. (C) concordar em discordar: após o estabelecimento desta relação positiva e de confiança, é possível você emitir sua opinião, ainda que seja contrária à dele, sem que isso signifique um rompimento. É possível ter pontos de vista diferentes, sem que isso signifique que uma ou outra parte sejam o “senhor da verdade”. Ter opiniões diferentes pode ser saudável para a reflexão e o aprendizado. (D) formar uma parceria: quando há a empatia e o respeito às diferenças é possível fazer uma parceria para enfrentar conjuntamente as dificuldades, traçando objetivos em comum, um auxiliando o outro a alcançá-los.
20. Uma melhor comunicação reduz o nível de tensão na família e na relação, permite colher mais informações sobre o que ocorre com o outro, tem menor risco de desavenças ou hostilidade, tem maior chance de cooperação, permite conhecer e compreender melhor as demandas do paciente (o que ele deseja e consegue executar versus o que você gostaria que ele fizesse).
21. O familiar deve adotar uma postura e um tom conciliador, evitando momentos de tensão e confronto, com respeito ao paciente e às suas demandas, buscando compreender as consequências emocionais que um pensamento ou comportamento do paciente provoca nele. Somente lidando melhor com essas consequências emocionais é possível influenciar nas causas e nos comportamentos perturbadores (regra dos 3C’s: causa-comportamento-consequência).
22. Dar feedbacks positivos quando o paciente faz algo que lhe agrada ajuda a reforçar comportamentos positivos e a fortalecer as relações. Isso significa valorizar os avanços em detrimento dos problemas.
Seminário 3 – Principais sintomas da Esquizofrenia e estratégias de enfrentamento
1. Os sintomas da esquizofrenia são agrupados em três domínios principais: sintoma positivo, negativo e cognitivo.
2. O termo sintoma positivo e negativo deriva da neurologia, que considera que centros cerebrais superiores na evolução das espécies inibem centros inferiores mais primitivos. Assim sendo, lesões nos centros superiores acarretariam na perda da função superior (por isso sintoma negativo, de perda) e na liberação dos centros inferiores (por isso positivo, porque não seriam mais inibidos).
3. Na psiquiatria, sintomas como delírios e alucinações são considerados positivos e falta de vontade e da afetividade considerados negativos. Sintomas cognitivos representam alterações da cognição, como problemas de atenção, memória e função executiva.
4. Delírios e alucinações são manifestações psíquicas que são experimentadas pelo indivíduo como reais, acompanhadas de certeza absoluta e aceitação passiva. Isso porque os delírios são ideias que se originam em si próprias, não derivam de alguma experiência ou estado de humor, não podem ser corrigidas ou influenciadas pela vontade ou pelo convencimento e são irredutíveis. Já as alucinações possuem as mesmas qualidades da percepção real, pois possuem corporeidade, nitidez, acontecem fora do corpo do indivíduo, são estáveis e não podem também ser influenciadas pela vontade ou pelo convencimento. Portanto, é inútil e estressante confrontar delírios ou alucinações com fatos da realidade, gerando conflitos com o paciente e afastando-o do convívio com a família
5. As alucinações podem ser auditivas (as mais comuns), visuais, táteis, olfativas e gustativas. Existe um sexto tipo de alucinação que ocorre dentro do corpo do indivíduo e que pode gerar a sensação de que os seus órgãos não estejam funcionando direito, chamada de alucinação cenestésica. O comportamento do paciente fica frequentemente alterado em decorrência das alucinações e esta é a única forma de suspeitarmos que elas estejam ocorrendo, a menos que o paciente nos verbalize (p.ex. um paciente recusa-se a comer porque sente gosto de veneno na comida, um paciente toma diversos banhos num dia porque sente cheiro de enxofre no seu corpo).
6. Pseudoalucinações são alucinações que carecem de corporeidade e extrojeção, sendo o exemplo mais claro vozes que falam dentro da cabeça do paciente. Ilusões são alterações da percepção a partir de um objeto real, p.ex. o paciente pode achar que uma mancha na parede é um vulto de uma pessoa e ter medo de permanecer no ambiente.
7. Os delírios podem ser classificados de acordo com a temática. Os delírios mais comuns são os de autorreferência (achar que as pessoas estão lhe olhando ou comentando a seu respeito) e os persecutórios (achar que as pessoas estão lhe perseguindo). Mas podem ocorrer delírios místicos-religiosos, de influência ou possessão, de grandeza, culpa, ciúmes, fantásticos, dentre outros.
8. Geralmente o paciente possui um delírio central (p.ex. estar sendo monitorado e perseguido pelos vizinhos) que se articula com dezenas ou centenas de delírios secundários ou pseudo-delírios que servem à trama delirante. Os pseudo-delírios podem ser interpretações ou percepções do ambiente em que o paciente vive e que ele atribui um significado delirante (p.ex. ele acredita que seus pais sejam cumplices dos vizinhos, porque duvidam de suas experiências e não agem mais de forma natural com ele).
9. Ainda como parte dos sintomas positivos podem ocorrer alterações formais do pensamento, ou seja, pensamentos confusos, sem um encadeamento lógico, embaralhados, repetitivos. Esses pensamentos são classificados como afrouxamento dos nexos associativos.
10. Comportamentos estranhos, inadequados, bizarros ou mesmo agressivos são consequência das manifestações primárias da psicose. Um paciente pode se despir porque uma voz lhe mandou que fizesse ou andar com uma faca por acreditar que esteja sendo perseguido. Portanto, para compreender o comportamento do paciente é necessário acessar suas vivências e compreender o contexto que ele está vivendo.
11. Para os sintomas positivos a melhor resposta é o tratamento medicamentoso. Antipsicóticos são eficazes no combate aos sintomas negativos, com taxas de resposta na faixa de 80%. Portanto, a ocorrência de sintomas positivos deve sempre sinalizar para a necessidade de ajustar a medicação ou rever o tratamento.
12. O familiar deve utilizar o método LEAP, de escuta reflexiva e empática, e sempre evitar o confronto com o paciente e com suas ideias delirantes. É importante mostrar ao paciente que ele pode confiar e que ele está seguro em casa. Caso o paciente não esteja em condições de assumir responsabilidades, o familiar deve pedir autorização a ele e assumir temporariamente, mas tomando decisões em conjunto com ele, com cuidado para não passar por cima dele.
13. O familiar deve construir um diálogo aberto com o paciente para ser capaz de avaliar riscos que o paciente possa correr devido à crise psicótica aguda, como riscos de suicídio, riscos à integridade física do paciente e de terceiros, risco de obediência a vozes imperativas.
14. Diante do paciente em crise, o familiar deve seguir os dez mandamentos em caso de crise: (1) Lembre-se que você não pode discutir com a pessoa em crise. (2) Lembre-se que a pessoa pode estar assustada com a própria perda de autocontrole. (3) Não manifeste irritação ou raiva. (4) Não grite. (5) Não seja sarcástico. (6) Reduza coisas que provoquem maior distração (desligue TV, rádios, luzes fluorescentes que piscam, etc). (7) Peça a qualquer visitante casual para ir embora, quanto menos gente, melhor. (8) Evite o contato olho a olho de forma contínua. (9) Evite tocar a pessoa. (10) Sente-se e peça a pessoa para se sentar também.
15. Os sintomas cognitivos mais comuns na esquizofrenia afetam a atenção, a memória verbal e o funcionamento executivo. Os pacientes podem ter dificuldade de concentração ou de prestar atenção em dois objetos ao mesmo tempo (dificuldade de flexibilizar a atenção), podem ter dificuldade de gravar e/ou recordar eventos/histórias da memória de longo prazo e podem ter dificuldades executivas, como memória de trabalho, impulsividade, dificuldade de planejamento e tomada de decisão. Os pacientes podem ficar lentos no raciocínio e nas atividades por essas dificuldades cognitivas.
16. Os sintomas cognitivos geralmente precedem o primeiro surto e são vistos como causas para sintomas positivos e negativos (p.ex. alucinações podem ser pensamentos do próprio paciente que ele atribui a fontes externas e falta de vontade pode ser decorrente da disfunção executiva que impede o paciente de realizar suas atividades).
17. Os sintomas cognitivos ocorrem por uma disfunção nas conexões nervosas (desconexão neuronal) entre as áreas frontais e da linha média do cérebro (sistema límbico e cerebelo).
18. Outra função cognitiva que geralmente está acometida na esquizofrenia é a metacognição ou teoria da mente. Essa função permite que se forme uma teoria da mente do outro, gerando a empatia e a capacidade de deduzir sentimentos dos outros através do comportamento (intuição). Pessoas com esquizofrenia podem ter dificuldade de avaliar expressões faciais de outras pessoas (p.ex. tristeza, alegria).
19. Sintomas cognitivos levam ao sentimento de incapacidade, impotência e baixa auto-estima, interferindo com as atividades sociais e laborativas, muitas vezes causando procrastinação, erros de planejamento, impulsividade, decisões precipitadas e uma tendência a se ter um julgamento mais emocional do que racional. Isso interfere também no insight e na crítica sobre a natureza patológica dos sintomas. Pacientes podem ter também maior dificuldade para compreender situações sociais, complexas ou abstratas.
20. Os sintomas cognitivos podem ser mapeados através de uma testagem neuropsicológica e podem ser alvos de tratamentos como reabilitação cognitiva e treinamento metacognitivo.
21. Cobranças podem ser prejudiciais por não considerarem as limitações cognitivas do paciente, por estarem focadas naquilo que a família entende como importante e não naquilo que o paciente tem capacidade ou gosta de fazer. Demandas além da capacidade cognitiva do paciente podem trazer estresse e deixa-lo mais vulnerável a novas crises.
22. Familiares e pacientes devem reavaliar suas expectativas antes da doença com base nas limitações cognitivas que se imponham, desenvolvendo novos objetivos, mais compatíveis com a realidade.
23. A comunicação com o paciente deve levar em conta a capacidade cognitiva dele: utilizar-se de linguagem clara, objetiva e com menor conteúdo emocional; cuidar da linguagem corporal, evitando expressões que possam confundir o paciente; pedir o feedback ao paciente para se certificar que se fez entender; utilizar o método LEAP; cuidado com abstrações, seja mais concreto.
24. Sintomas cognitivos não significam que o paciente seja incapaz. Uma recuperação deve priorizar o sujeito e sua capacidade de ação e autoria, ou seja, o que ele deseja e é capaz de executar, compartilhando as decisões e ajudando-o a alcançar seus objetivos. Essa abordagem permite que o paciente se empodere sobre sua vida.
25. A diminuição da vontade está relacionada à dificuldade de planejamento e execução, bem como de monitoramento ponto a ponto, já que os pacientes possuem o desejo de realizar as atividades como as outras pessoas. Isso leva a dificuldades de estudo e trabalho, isolamento social e em casos extremos a descuido da aparência e higiene e inibição do comportamento (falar pouco, mover-se lentamente).
26. Não confundir a falta de vontade com preguiça! O paciente não consegue controlar esse sintoma. Por essa razão muitos familiares criticam ou cobram o paciente, elevando a sobrecarga emocional. A melhor forma de corrigir isso é com a informação através de programas de psicoeducação e compartilhando a experiência com outras famílias em grupos de apoio, rever as expectativas depois da doença, reduzir as cobranças e críticas e evitar a super-estimulação. Mesmo coisas boas ou prazerosas podem ser super-estimulantes se não estiverem de acordo com o paciente.
27. A melhor forma de abordar sintomas como a falta de vontade é através do tratamento comunitário, como treinamento de habilidades sociais, arteterapia, grupos par-a-par e através da terapia cognitivo-comportamental. Tratamento medicamentoso não têm muito efeito nos sintomas negativos, embora seja importante avaliar se o remédio não está agravando os sintomas negativos por causa da impregnação.
28. O sintoma que acomete a afetividade do paciente é chamado de embotamento ou esmaecimento afetivo. É importante diferenciar que o sintoma é sobre a expressão de afetos e não sobre a capacidade de ter sentimentos. O paciente pode ter dificuldade de externalizar o que sente, seja pela expressão facial, tom de voz ou verbalmente. O paciente pode parecer não ter empatia ou parecer monótono, como se não tivesse sentimento pelas pessoas, mas essa é uma avaliação equivocada a partir da sua dificuldade de demonstrar o que sente.
29. A dificuldade na afetividade dificulta o relacionamento social, reduz a competência social e aumenta o estigma.
30. Evitar pré-julgamentos e rótulos, perguntar ao paciente como ele se sente antes de tirar suas conclusões, demonstrar respeito pelos sentimentos dele.
31. Tratamentos que possibilitem outras formas de expressão emocional, como musicoterapia, arteterapia, teatro ajudam a melhorar a afetividade.
32. Os sintomas negativos têm relação com o estigma social e o auto-estigma, que são os principais obstáculos à recuperação para uma vida comunitária mais participativa. É importante frisar que a doença não é o indivíduo e sim apenas uma parte da expressão de sua vulnerabilidade. Mas as pessoas têm qualidades individuais para superar a doença que não são afetadas por ela. O paciente precisa de ajuda para enxergar suas qualidades e sua força interior para diferentes possibilidades de recuperação. A esperança e uma visão mais humana da doença mental são imprescindíveis para o resgate do sujeito nesse processo de recuperação.
33. O uso de drogas, álcool e tabaco é três vezes ou mais comum na esquizofrenia do que na população geral. Pacientes com esquizofrenia que usam ou que são dependentes de drogas ilícitas e/ou álcool têm maior gravidade de sintomas, pior resposta a tratamento, maior chance de não aderir a tratamentos, maior risco de recaídas e hospitalizações, maiores prejuízos sociais (como abandono familiar, moradia de rua, crimes/detenção), maior risco de suicídio/homicídio, maior prejuízo cognitivo e pior evolução.
34. Esses pacientes necessitam de um tratamento concomitante para dependência química, preferencialmente no mesmo serviço em que se tratam para esquizofrenia e com equipes integradas para compartilharem objetivos comuns de tratamento, beneficiam-se mais do tratamento com antipsicóticos injetáveis de longa ação (ou de depósito) e necessitam mais dos tratamentos psicossociais.
Seminário 4 – Causas biológicas e ambientais das psicoses
1. Historicamente as teorias sobre a causa da esquizofrenia percorrem um movimento pendular entre causas biológicas (internas ao organismo) e sócio-ambientais (externas ao organismo). A loucura já foi atribuída a espíritos ou possessões demoníacas na idade média, a problemas da moralidade da pessoa no séc. XIX, exclusivamente à biologia ou à sociedade e à família no séc. XX. O atual modelo compreende que existem fatores ambientais e biológicos para a esquizofrenia numa visão ecológica, onde a doença estaria na interface entre o indivíduo e o ambiente em que ele vive, com fatores biológicos e sócio-ambientais interagindo para a sua eclosão e expressão.
2. A esquizofrenia ocorre principalmente nas faixas etárias mais jovens com picos de incidência entre 15 e 25 anos para homens e 25 e 35 anos para mulheres, com prevalência de 1% da população. Raramente ocorre após os 50 anos.
3. A prevalência de psicose na população é bem maior, em torno de 7%, pois inclui psicoses afetivas e psicoses reativas ao estresse ou ao uso de drogas, que ocorrem em pessoas com vulnerabilidade diferente das pessoas com esquizofrenia.
4. A esquizofrenia é a terceira causa de anos vividos com incapacidade na faixa etária dos 15 aos 44 anos, considerando-se todas as doenças, inclusive clínicas. É a doença que mais ocupa leitos hospitalares no mundo.
5. Entre os aspectos biológicos existem a genética, o neurodesenvolvimento e a neuroquimica, através do equilíbrio entre os neurotransmissores.
6. Entre os aspectos ambientais existem diferentes fatores estressores que podem ativar os genes de predisposição à doença, determinando assim o início dos processos biológicos para o adoecimento.
7. Isso explica porque gêmeos idênticos, com um mesmo DNA, possuem um risco de concordância para a doença de apenas 50%. O ambiente seria, então, importante para a metade do risco de adoecimento.
8. O modelo mais aceito para a causa da esquizofrenia é o modelo de estresse-diátese. Por ele, indivíduos com diferentes níveis de predisposição genética e biológica para a doença precisariam de diferentes graus de estresse ambiental para o adoecimento. Assim poderiam haver indivíduos mais vulneráveis biologicamente que adoeceriam com menor estresse ambiental, como indivíduos mais resistentes que precisariam de um nível de estresse ambiental bem maior para ficarem doentes.
9. Entre os fatores ambientais existem aqueles que podem acometer o feto durante a gestação (p.ex. infecção por vírus no início da gravidez), durante a primeira infância (p.ex. traumas do parto, traumas físicos ou psicológicos na primeira infância), na adolescência (p.ex. uso de maconha) e em todas as fases até a vida adulta (p.ex. traumatismo craniano, migração, crescimento em centros urbanos).
10. Centenas de genes podem estar envolvidos na predisposição à esquizofrenia a maioria ainda desconhecida. Mas acredita-se que a maioria deles seja de baixa penetrância e de baixo efeito. Então, o conjunto de genes seria mais determinante do que um ou outro isoladamente.
11. Há genes conhecidos que também predispõem a outros transtornos, como transtorno bipolar, transtorno esquizoafetivo e autismo. Isso sugere que os genes não sejam específicos para cada doença, mas determinem alterações em processos naturais do desenvolvimento cerebral, que deixariam o indivíduo vulnerável para diferentes transtornos mentais na dependência dos fatores individuais de risco ambiental.
12. O modelo atual considera que os genes de susceptibilidade são ativados por diferentes fatores estressores do ambiente e passam a interferir em processos naturais do neurodesenvolvimento, como migração de neurônios, proliferação de conexões sinápticas e posterior poda neuronal (eliminação de sinapses disfuncionais). Consequentemente haveria uma alteração na conectividade entre neurônios de diferentes áreas cerebrais, que levaria a diferentes distúrbios da cognição (atenção, memória, linguagem, emoção). Isso dificulta o processamento das informações, particularmente às que são acompanhadas por alta demanda de estresse. O indivíduo torna-se, então, mais vulnerável às situações, resultando em uma resposta psíquica e comportamental mal-adaptada, que inclui os sintomas da esquizofrenia que conhecemos (sintomas positivos e negativos).
13. As alterações neuroquímicas mais comuns na esquizofrenia envolvem os neurotransmissores dopamina, serotonina e glutamato.
14. O excesso de dopamina é a principal característica neuroquímica das psicoses e provoca os sintomas positivos, como delírios e alucinações. Drogas que aumentam a dopamina cerebral, como a anfetamina e a cocaína, também podem causar psicose em indivíduos não-doentes.
15. A serotonina também está envolvida na esquizofrenia, tanto em sintomas positivos como sintomas negativos e de humor. A droga LSD, p.ex., aumenta a serotonina cerebral e causa alucinações e euforia. A serotonina também está envolvida em sintomas depressivos e negativos, quando existe diminuição de serotonina em determinadas áreas do cérebro.
16. O glutamato também está implicado. Estudos com ketamina, droga anestésica que bloqueia os receptores de glutamato, e fenciclidina (PCP) mostraram que elas causam tanto sintomas positivos como negativos e cognitivos em indivíduos saudáveis, mimetizando quadros semelhantes à esquizofrenia.
17. Apesar dos fortes componentes genéticos e biológicos da esquizofrenia, o ambiente tem um papel fundamental na plasticidade genética e, logo, na vulnerabilidade à doença, sendo possível interferir no ambiente para modificar a história da doença, de seu início à sua evolução ao longo do tempo.
Seminário 5 – Tratamentos farmacológicos das psicoses
1. A aceitação de um tratamento medicamentoso depende de como ele é apresentado ao paciente. É comum que ocorra, por parte do paciente e de sua família, medos como o do diagnóstico, da dependência e dos efeitos colaterais dos remédios, medo da internação e do estigma de ter uma doença mental. A falta de atenção à pessoa e de seus objetivos pessoais em detrimento dos sintomas faz com que pacientes comumente se recusem a fazer o tratamento.
2. Portanto, para que o paciente aceite ir ao médico e inicie o tratamento, são necessários compreender seus objetivos pessoais, ter flexibilidade para atender às suas demandas, focar nas questões que lhe são importantes e não exclusivamente nos sintomas (que ele não reconhece como doença), oferecer um tratamento alinhavado com seus objetivos e compartilhar as decisões, deixando-o seguro de que o tratamento possa ser revisto a qualquer momento.
3. Uma visão otimista e esperançosa por parte do profissional também é importante para que paciente e família percebam que o tratamento é uma forma de alcançar objetivos mais saudáveis de vida e não meramente controle de sintomas ou desajustes.
4. O médico deve ter o cuidado para abordar o paciente e não a doença, priorizando uma atitude empática e acolhedora, interessado em suas vivências, sem desqualificar os seus sintomas, preocupando-se com os outros aspectos do indivíduo e do meio em que ele vive, procurando compreender os diferentes pontos de vista entre paciente e família, aberto ao diálogo e a rever suas prerrogativas, tomando decisões em conjunto, estimulando a auto-percepção do paciente e sua força interior, sua capacidade de resiliência e de autoria pessoal para a sua recuperação.
5. Apesar da não-adesão atingir até 75% dos pacientes nos primeiros anos de doença, é possível conseguir melhores índices de adesão com técnicas motivacionais e de divisão de responsabilidades.
6. A internação é um ato médico e deve seguir critérios clínicos da mesma forma como ocorre com outras doenças médicas. Assim sendo, pacientes não podem ser hospitalizados por qualquer razão, contra sua vontade. Quando o paciente oferece risco a si próprio ou a terceiros, seja por tentativas de suicídio ou episódios de agressividade, ou quando ele corre riscos psicossociais graves, como fuga de casa ou viver em situação de rua devido à doença (ou seja, o paciente não apresenta condições mentais de arbitrar sobre sua vida), então pode ser indicada a internação involuntária. Mas ela deve ser sempre o último recurso, depois de esgotadas as tentativas de tratamento ambulatorial.
7. Os medicamentos antipsicóticos são os principais fármacos para o tratamento das psicoses, pois possuem ação de bloqueio de receptores de dopamina, reduzindo os efeitos do excesso de dopamina no cérebro e, portanto, reduzindo os sintomas positivos.
8. Os antipsicóticos podem ser divididos em típicos ou primeira geração e atípicos ou segunda geração. Os de segunda geração foram desenvolvidos posteriormente e, além de possuírem ação em receptores de dopamina, também atuam em receptores de serotonina. Isso confere a eles propriedades estabilizadoras de humor e antidepressivas. Também devido ao bloqueio diferenciado de receptores de dopamina, os antipsicóticos de segunda geração possuem menos efeitos colaterais do tipo parkinsoniano (impregnação).
9. Além dos antipsicóticos orais, existem antipsicóticos injetáveis de ação curta (para situações de crise, como agitação e agressividade) e de ação longa (para tratamento daqueles pacientes que não aderem ou não respondem à medicação oral). Os de longa ação também são divididos em primeira geração e segunda geração, pois são compostos por substâncias que além de disponíveis na apresentação oral, também existem na forma injetável. Para uma tabela completa com os antipsicóticos disponíveis no Brasil, acesse aqui: https://entendendoaesquizofrenia.com.br/website/?page_id=136
10. Para o tratamento do transtorno bipolar existem, além dos antipsicóticos de segunda geração, também estabilizadores de humor, que possuem diferentes mecanismos de ação, para tratar os quadros de mania, hipomania e depressão. Eles também podem ser utilizados na esquizofrenia para tratar quadros de humor, como exaltação de humor e irritabilidade.
11. Outros medicamentos podem ser utilizados também na esquizofrenia e no transtorno bipolar, como antidepressivos (no caso de episódios de depressão), ansiolíticos (para o tratamento da ansiedade), hipnóticos (para o tratamento da insônia) e anticolinérgicos (medicamentos utilizados para reduzir os efeitos colaterais do tipo parkinsoniano dos antipsicóticos).
12. Existem tratamentos que utilizam estimulação cerebral através de correntes elétricas ou magnéticas. É uma forma não-medicamentosa de estimular o cérebro e os neurônios a liberarem os neurotransmissores.
13. O método mais conhecido é a eletroconvulsoterapia (ECT), conhecida como eletrochoque, que é realizada em casos específicos, como quando há risco de vida (catatonia com risco de inanição/desidratação) ou, excepcionalmente, nos casos que não respondem à medicação. Esse procedimento é realizado com o paciente monitorizado, sob efeito de anestesia e em ambiente hospitalar. Atualmente é incomum indicar ECT para o tratamento da esquizofrenia, visto haver boas opções de tratamento medicamentoso.
14. A estimulação magnética transcraniana (EMT) consiste de emissão de ondas eletromagnéticas através de um aparelho na cabeça. Essas ondas são capazes de estimular os neurônios no córtex cerebral. O procedimento é ambulatorial e não requer anestesia. Existem estudos que apontam eficácia na redução de alucinações. Mas os pacientes devem manter paralelamente o tratamento com medicamentos.
15. O tratamento medicamentoso leva de 4 a 8 semanas para observar melhoras e a dose de resposta do medicamento deve ser mantida entre 6 meses a 1 ano, dependendo de cada caso, da gravidade da crise ao ambiente sócio-familiar da pessoa.
16. O tempo do tratamento de manutenção também depende de variáveis pessoais e ambientais, podendo ser mantido por 1 a 2 anos depois de uma primeira crise ou até 5 anos após uma segunda crise. Entretanto, para aqueles pacientes com maior recorrência de crise, doses de antipsicóticos podem ser necessárias por um período indeterminado até que o paciente tenha alcançado melhores níveis de recuperação. O julgamento clinico caso a caso é a melhor forma de definir o tempo de tratamento.
17. Entre os principais efeitos colaterais dos antipsicóticos, podemos citar: Sintomas Extrapiramidais (conhecidos também como Parkinsonianos), p.ex. tremores de repouso, lentidão psicomotora, aumento da salivação, distonias (contraturas involuntárias) de grupamento musculares, acatisia (inquietação, geralmente das pernas); Discinesia Tardia (distúrbio de movimento provocado por exposição prolongada a antipsicóticos); Agranulocitose (queda de glóbulos brancos); Dislipidemia (aumento do colesterol e triglicerídeos); Diabetes Mellitus; Prolongamento do intervalo QT e risco de arritmias; Ganho de peso e obesidade; Aumento de transaminases (enzimas do fígado); Hiperprolactinemia (aumento do hormônio prolactina), podendo causar ginecomastia, amenorréia, disfunção sexual.
18. Isso não significa que o paciente terá todos os efeitos colaterais possíveis. A reação é individual, muitos efeitos são transitórios e outros possuem formas de serem contornados com outros medicamentos. Os antipsicóticos de segunda geração são geralmente bem tolerados no aspecto parkinsoniano.
19. A Síndrome Neuroléptica Malígna é uma reação rara, porém aguda, do organismo ao antipsicótico, cursando com febre alta, aumento do tônus muscular e confusão mental, geralmente necessitando de internação para tratamento. A família deve estar especialmente atenta à ocorrência de febre alta em pessoas que utilizam antipsicóticos.
20. De 30 a 40% dos pacientes com esquizofrenia podem não responder mais ao tratamento (p.ex. troca de medicamento em dose alta, sem resposta clínica). Neste caso, deve-se primeiro garantir que não seja um problema de adesão (ou seja, que o paciente toma regularmente o medicamento). Na dúvida, pode-se utilizar um antipsicótico injetável de longa ação (injeções quinzenais ou mensais que substituem a medicação oral). Caso o paciente não melhore, tem a indicação de tratamento com a clozapina, único antipsicótico com eficácia comprovada nos casos resistentes aos demais antipsicóticos.
21. Baixa adesão, interrupções sucessivas de antipsicóticos e abuso de substâncias (álcool e drogas) podem contribuir para a falha na resposta aos antipsicóticos.
22. O uso de clozapina requer um monitoramento sanguíneo através de hemogramas, pois existe um risco de provocar redução dos glóbulos brancos. Porém, esse risco é baixo e minimizado pelos exames, o que não justifica que ela não seja utilizada na esquizofrenia refratária.
Seminário 6 – Tratamentos psicossociais das psicoses
1. A presença do Transtorno Mental em um membro da família é uma experiência que afeta a todos os membros desta família. Quando uma família experimenta o estresse que esta situação gera no ambiente familiar, sem receber ajuda e/ou apoio, eles serão menos capazes de ajudar efetivamente seu familiar. Por isso, ressaltamos a importância de cada membro desenvolver e manter uma preocupação saudável consigo próprio, o que consequentemente refletirá numa melhor possibilidade em ajudar seu familiar.
2. O modelo de Reabilitação Psicossocial vem em contraposição a um modelo centrado no hospital psiquiátrico e que busca romper com saberes e práticas até então instituídos.
3. Reconhece o usuário como “sujeito” que possui uma história de vida e desejos. É importante no processo de recuperação que não se perca de vista o fato que ele é uma pessoa inteira, com vontades, necessidades, e sentimentos que podem estar turvados pela percepção alterada da realidade. É importante que seja ouvido no seu processo de cuidado, e participe ativamente do seu projeto terapêutico (PROJETO TERAPÊUTICO INDIVIDUAL), tendo como foco a atenção as suas necessidades mais imediatas, entendendo que o processo de recuperação e construção de vínculo pode ser lento e precisa ser construído e cultivado no dia a dia.
4. É envolvida por diferentes disciplinas do conhecimento e múltiplos atores. O cuidado ao usuário precisa ser realizado por uma equipe multiprofissional, não podendo se limitar apenas ao uso de medicamentos, mas lançando mão de outros recursos como terapia, participação em grupos e oficinas que promovam a autonomia e a inclusão social do paciente e a integração com sua família e comunidade.
5. Entende que o adoecimento não é exclusivamente biológico, mas também psicológico e social.
6. Tem como paradigma um movimento centrífugo (de dentro para fora), que implica numa maior participação do usuário, mas não como consumidor passivo e sim como um agente ativo do seu processo.
7. Os objetivos dos serviços são: ajudar as pessoas a se recuperarem; integração comunitária e qualidade de vida.
8. Os valores (são crenças que geram comportamentos específicos, atitudes e ideias): autodeterminação/empoderamento; dignidade; otimismo; acreditar na capacidade de aprender e sensibilidade cultural.
9. Princípios orientadores: individualização de todos os serviços; envolvimento do usuário alinhando suas preferências, valores e aspirações; parceria com a família; valorização dos papéis sociais (papel de filho, marido, esposa, profissional, estudante, vizinho…); coordenação dos serviços; focar nos aspectos saudáveis; treinamento das habilidades e orientação vocacional.
10. Reabilitação vocacional: trabalhar e ganhar um salário promove a autoconfiança, autoestima, status na comunidade e bem estar econômico. Barreiras que dificultam conseguir um emprego são: o estigma, serviços que não condizem com os desejos e habilidades do usuário, falta de experiência profissional e limitações cognitivas.
11. Terapia Cognitivo Comportamental: parte do pressuposto de que o comportamento é adaptativo e que existe interação entre pensamentos, sentimentos e comportamentos.
12. Terapia de Família: a família funciona como um sistema, onde cada membro exerce uma função, alimentados e retroalimentados entre si e onde qualquer movimento de uma dessas peças implicará numa possível mudança ou rearranjo.
13. Acompanhamento Terapêutico (AT): objetivo é o acompanhante terapêutico se inserir de maneira criativa, estratégica e terapêutica no ambiente familiar, social, lazer…, reconstruindo rotinas e ritmos.
14. Psicoeducação: capacitação para o enfrentamento do transtorno através da informação, solução de problemas e desenvolvimento de uma expertise para o autogerenciamento, além da conscientização sobre o transtorno.
15. Terapia de Solução de Problemas: busca identificar, descobrir e/ou desenvolver soluções adaptativas para o enfrentamento dos problemas do dia-a-dia.
16. Reabilitação Cognitiva: treinar e recuperar funções como a memória, atenção, planejamento estratégico, raciocínio…
17. Intervenções providas pelos pares: Grupo de Suporte Mútuo; Serviço de Suporte por Pares e Serviço de Saúde Mental provido por Pares.
18. No contexto do SUS, as unidades básicas de saúde, conhecidas como clínicas da família, centros municipais de saúde, ou postos de saúde, são a principal porta de entrada para o sistema de saúde pública.
19. Todos os moradores do município do Rio de Janeiro podem consultar através do site “Onde ser atendido” (https://smsrio.org/subpav/ondeseratendido/) qual a unidade básica de saúde de referência do seu domicílio, e se o seu domicílio tem cobertura de saúde da família.
20. Na Estratégia Saúde da Família a equipe realiza atendimentos na unidade de saúde e no domicílio, para os casos de pessoas com dificuldades de locomoção, acamados ou restritos ao domicílio por outras razões, como acontece com alguns pacientes com Transtorno mental.
21. A Estratégia Saúde da Família conta com o apoio de profissionais do NASF, composto por equipe multiprofissional, que auxilia a equipe de saúde da família no acolhimento e abordagem inicial dos casos de saúde mental.
22. Casos de maior complexidade serão compartilhados pela equipe de saúde da família com os CAPS. Embora o paciente passe a ser acompanhado pelo CAPS, ele mantém seu vínculo com a equipe de saúde da família que continua responsável pelo seu cuidado clínico, para além das questões de saúde mental, como por exemplo, acesso a consultas e exames, como preventivo, acompanhamento de hipertensão e diabetes, tratamento odontológico, vacinação, etc.
23. Nos casos em que pacientes e famílias percebam que estão tendo seu acesso à saúde desrespeitado, uma das formas de procurar ajuda é através da Ouvidoria do SUS no telefone 1746, ou do aplicativo disponibilizado para smartphones, ou pela Internet: http://www.1746.rio/
24. No caso de usuários de planos de saúde, quando sentirem que seus direitos ou de suas famílias estão sendo desrespeitados, o primeiro passo é procurar a Ouvidoria da própria operadora. Em caso de não receber resposta, ou de não ficar satisfeito com a resposta, poderão recorrer à ouvidoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar: http://www.ans.gov.br/central-de-atendimento
25. Participar de grupos de família e atividades de lazer com outras famílias é uma forma de paciente e família expandirem sua rede de apoio, possibilita o contato e a troca com outras pessoas que estejam passando ou já passaram pelas mesmas situações, e como lidaram com elas. Por isso podem ser consideradas estratégias importantes no processo de autocuidado da própria família e do paciente. Informações sobre os grupos de família já existentes podem ser acessadas a partir do Portal Entendendo a Esquizofrenia: CLIQUE AQUI
26. Para que o cuidado da pessoa com Transtorno mental alcance seu objetivo de recuperação e inclusão social, é importante que todos assumam um papel ativo na construção de um plano de cuidado adequado às necessidades do seu familiar – PARCERIA.
27. Mesmo nas situações em que o usuário não aceite a presença do familiar durante as consultas é importante que a família procure manter contato com a equipe de saúde, para ajudar a pensar em conjunto sobre a melhor forma de cuidar do seu familiar, falar sobre as situações que tem vivenciado, suas respostas ao tratamento, percepção de piora do quadro de delírios e alucinações e dos efeitos colaterais dos medicamentos.
28. É importante que a família conheça os seus diretos e do paciente em relação ao seu acesso à saúde, medicamentos, benefícios sociais e previdenciários quando houver. Também é importante que paciente e família saibam reconhecer quando os seus direitos de acesso a saúde estão sendo desrespeitados e procurem ajuda para garantirem o acesso aos mesmos.
29. É preciso estar atento a queixas clínicas que o paciente apresente e reportá-las ao médico para que sejam descartados problemas clínicos que podem não ter relação com o transtorno mental.
Seminário 7 – Recuperação pessoal das psicoses
1. A discussão sobre a recuperação dos transtornos mentais parte da prática que adotamos na assistência à saúde mental.
2. A visão fatalista da doença mental como se ela caminhasse inexoravelmente para a deterioração psíquica é prejudicial para um olhar sobre a recuperação como algo tangível.
3. A reforma psiquiátrica e a reabilitação psicossocial através da participação comunitária das pessoas com transtornos mentais permitiram uma transformação no conceito de recuperação.
4. A recuperação é vista como um processo dinâmico em que indivíduos mais vulneráveis ao estresse tornam-se mais resilientes e retomam seu equilíbrio e bem-estar com ajuda de fatores de proteção, tanto biológicos (tratamentos) como ambientais (família e sociedade).
5. A prática da saúde mental, para estar alinhada ao conceito de recuperação pessoal (termo em inglês: Recovery), precisa incorporar os seguintes valores: autodeterminação da pessoa com transtorno mental, tratamentos centrados na pessoa e individualizado, estímulo ao empoderamento dos indivíduos e de sua família, visão holística de tratamento incluindo as dimensões biológicas, psicológicas e sociais da pessoa, processo não linear de recuperação (com avanços e recuos, erros e acertos), intervenções baseadas nos recursos da pessoa e de sua família, busca pela esperança, pelo bem estar e pela qualidade de vida.
6. Nesta concepção a recuperação é possível para todas as pessoas, independente da gravidade ou complexidade do caso. Cada um deve ser capaz de alcançar seu nível de autonomia possível naquele momento, retomando sua participação na sua comunidade e incorporando hábitos e atitudes que promovam seu bem-estar. É a crença na capacidade de cada um aprender e crescer que move as pessoas a se recuperarem.
7. Princípios para os serviços orientados ao Recovery: visão otimista do transtorno mental, acreditando que a recuperação é possível, serviços baseados nos indivíduos, máximo envolvimento deles quanto às suas preferências e escolhas, parceria entre técnicos e pacientes e cuidadores, com decisões compartilhadas entre eles, busca da normalização e da participação ativa na comunidade, foco nos recursos das pessoas, em suas forças e não em suas fragilidades, avaliações situacionais (visão ecológica – indivíduos reagem ao ambiente, tanto positivo como negativo), sensibilidade cultural, integração entre tratamento e a reabilitação psicossocial, serviços coordenados e acessíveis, foco no aspecto vocacional, treinamento de habilidades, suporte ambiental, parceria com a família, foco orientado na evolução.
8. É importante que se avalie a prontidão do paciente: ele precisa estar pronto (em condições psíquicas) para as atividades e não expor o indivíduo vulnerável às atividades que possam estressá-lo e precipitar uma nova crise. Isso envolve percepção da necessidade de mudança, compromisso com a mudança, consciência do ambiente, consciência de si (auto-consciência), confiança nos técnicos e nos relacionamentos interpessoais (família, amigos, pares).
9. Envolvimento do paciente é essencial para assegurar que o projeto possa ir em frente. Seus objetivos devem ser traçados em conjunto e dirigidos à comunidade e à meta de escolhida por ele.
10. No processo de recuperação a pessoa e a família devem procurar o desenvolvimento de uma nova auto-imagem, assumindo a concepção dos vários caminhos possíveis para cada pessoa.
11. Lidando com o estresse x redução do estresse: planejar e desenvolver estratégias efetivas para solucionar os altos níveis de estresse, reduzindo o estresse do ambiente de forma gradativa e progressiva, mas sobretudo desenvolvendo habilidades para lidar com ele.
12. A comunicação e aprender a boa maneira de se comunicar são essenciais para produzir boas soluções para lidar com o estresse.
13. Clube: iniciativas planejadas e lideradas pela própria comunidade, constituída por pessoas envolvidas com transtornos mentais, para realização de atividades sociais e ocupacionais, como emprego temporário e emprego definitivo. O clube pode oferecer serviços a outras empresas que serão executados por seus membros.
Quer participar do Entrelaços? Envie seu nome completo, e-mail e telefone de contato para nós através do endereço grupodeapoio@esquizofrenia-local.local.
Suas informações ficarão armazenadas no nosso banco de dados e quando iniciarmos o processo de seleção da nova turma, entraremos em contato com você!