Crianças afetadas pelo zika no Brasil devem ter no máximo três anos hoje — considerando que a maioria das anomalias começaram a ser identificadas em 2015. Dada à urgência do caso, foram muitos os estudos que focaram na primeira fase da infecção… mas o que vai acontecer com essas crianças quando adultas? E com aquelas sem más-formações tão evidentes? Essas são perguntas que a ciência tenta responder.

Um estudo publicado nesta quarta-feira (6) no “Science Translational Medicine” é uma das tentativas de responder a essas perguntas. A pesquisa foi feita só por cientistas brasileiros (Universidade Federal do Rio de Janeiro e de São Paulo) e tentou prever, de forma inédita em cobaias, os efeitos a longo prazo do zika.

De modo geral, a pesquisa identificou que a infecção de fetos pelo vírus da zika pode trazer consequências neurológicas, distúrbios de comportamento (esquizofrenia, autismo), de memória e consequências motoras (em crianças com microcefalia ou sem).

Cientistas também testaram que o infliximabe, já usado para o tratamento da artride reumatoide (doença que causa dores e deformações nas articulações), pode ser útil na fase aguda da infecção por zika, diminuindo o número de convulsões.

Outro ponto frisado pelos pesquisadores é que, em média, só 10% das crianças infectadas pelo zika vão desenvolver microcefalia: o restante não. A microcefalia, no entanto, não é a única consequência do zika e os pesquisadores estão verificando agora que há uma série de crianças que podem ter consequências do vírus no futuro (como as de comportamento).

O estudo foi capaz de prever o que acontecerá com crianças por testes em cobaias: isso é possível porque o ciclo de vida da cobaia é mais curto: com isso, cientistas podem simular o que potencialmente acontecerá com fetos infectados no Brasil em 2015, por exemplo.

Outra parceira do estudo, a neurocientista Júlia Clarke, pesquisadora da Faculdade de Farmácia da UFRJ, destaca que os camundongos foram acompanhados por 100 dias: basicamente, o ciclo de vida do animal. O vírus da zika também foi injetado logo após o nascimento, o que corresponde ao terceiro trimestre de gestação em humanos.

A cientista explica que o vírus usado no camundongo foi isolado de um paciente de Recife em 2016. “Isso é importante porque outros estudos utilizaram cepas africanas e asiáticas”, diz Clarke.

Outro achado da pesquisa mostra que o vírus da zika fica presente no cérebro das cobaias, mesmo na fase adulta. “Há a impressão de que você tem uma infecção ativa após o nascimento, que depois é resolvida, e vimos que não, o vírus permaneceu no cérebro desses animais”, explica a especialista, indicando a possibilidade de um tratamento para neutralizar o zika, mesmo na fase adulta.

Outros resultados da pesquisa incluem:

– Cientistas descobriram que crianças afetadas pelo zika podem desenvolver quadro de epilepsia que diminuiu muito na fase adulta;
– Algumas convulsões podem voltar a depender do estímulo: traumas na cabeça ou acidentes, por exemplo;
– Pesquisadores observaram grande possibilidade de alterações comportamentais: há risco para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade e condições como autismo e esquizofrenia;
– Há problemas motores: crianças podem ter dificuldade de segurar uma caneta, por exemplo, mesmo na fase adulta;
– Há a possibilidade do vírus zika estar presente no cérebro de algumas crianças quando elas atingirem a fase adulta, sem grande reprodução.

Como os cientistas chegaram à conclusão sobre desordens comportamentais?

A neurocientista Júlia Clarke explica que há várias maneiras de testar se uma condição deflagra distúrbios de sociabilidade em animais. Uma das maneiras é colocar a cobaia afetada pelo vírus em um ambiente com duas portinhas: em uma delas, há um outro animal; na outra, não há ninguém.

“O animal com algum sintoma de sociabilidade vai entrar nas duas portas como se não tivesse ninguém. Já a cobaia sem essa condição, vai cheirar, vai ter sinais de medo; enfim, vai agir como se alguém estivesse lá” – Júlia Clarke.

Segundo a neurocientistas, outros estudos vêm demonstrando a possibilidade de infecções ter um papel no desenvolvimento de distúrbios de comportamento. Um deles foi publicado na revista “Science” em 2016.

O artigo cita que, depois de 1964, durante uma pandemia de rubéola, o índice de autismo e de esquizofrenia, que contabilizavam menos de 1% dos casos, aumentaram para 13% e 20%, respectivamente.

Ainda, o estudo científico cita outros que fazem a mesma associação entre infecções e diversas desordens psiquiátricas: há aumento de casos de distúrbios mentais após pandemias de gripes, poliomielite, sarampo, cachumba, episódios de gripes e varíola.

“A relação entre infecção e desordem de comportamento não é simples, mas existe. Primeiro, no caso do zika, há uma preferência do vírus por neurônios. Outro fator estudado é a influência da inflamação após a infecção no surgimento de condições como autismo e esquizofrenia” – Júlia Clarke.

Medicamento diminuiu convulsões

Além de identificar as consequências do vírus, cientistas também testaram que um medicamento já aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pode ajudar no tratamento dos efeitos do zika. “Observamos que a terapia diminuiu muito as convulsões das cobaias na fase mais aguda”, explica Júlia Clarke.

Cientistas utilizaram o infliximabe, uma droga já usada para o tratamento da artride reumatoide (condição que provoca dores nas articulações e deformidades) e outras condições. O medicamento age inibindo a ação da TNF alfa, uma proteína que fica aumentada após a infecção por zika.

O próximo passo da pesquisa é verificar se o tratamento poderá ser usado na fase adulta, como uma tentativa de diminuir os efeitos da inflamação no cérebro. Primeiro, os novos testes serão feitos em cobaias. Não há previsão para testes em humanos por enquanto.

Por Monique Oliveira,
Fonte: G1.com

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