Descaso, sujeira, doenças e infelicidade eram rotina na vida de idosos e pessoas com deficiências mentais alojadas em asilos de Cachoeira do Sul. A partir de uma ação do Ministério Público (MP) do município, foi possível reverter esta realidade – e todo o percurso foi retratado em um documentário, chamado de “Projeto Cuidar – Vidas Reconstruídas”.

Em 2015, ao chegar em Cachoeira, a promotora Maristela Schneider (foto) encontrou o cenário devastador das 25 casas geriátricas, que abrigavam 768 pessoas. Entre os internados, idosos e portadores de sofrimento físico e psíquico, naturais de todas as regiões do Rio Grande do Sul – cerca de 60 municípios, conforme o MP.

Através do Projeto Cuidar, foram mapeadas as situações de cada um dos internados. Durante o levantamento, foram encontrados casos de negligência, doenças e descaso, como a promotora lembra durante o vídeo, de 25 minutos, produzido pelo Gabinete de Comunicação do MP.

Os relatos e as cenas são fortes. As roupas usadas pelos internos eram de uso coletivo, inclusive peças íntimas, não havia sabonetes ou xampus, e oito escovas de dentes eram usadas por eles. “Chegamos ao ponto de não ter mais esperança”, diz Elisandra Fagundes Flores, 36 anos, com diagnóstico de esquizofrenia. O desabafo refletia o pensamento de outros entrevistados.

A promotora lembra do caso de uma senhora, diagnosticada nove anos antes com câncer, que morreu após passar por procedimento médico. “Ela usava um chapéu baixo, não deixava a gente olhar.” No rosto da senhora, foram encontradas larvas de moscas, que destruíram parte do cérebro da idosa e demostraram a negligência com que era tratada.

A ação

Constatando as formas desumanas de tratamento dos internos, iniciou-se a ação. “Cachoeira se transformou em um verdadeiro ‘depósito de gente’, por isso precisávamos enfrentar o problema de forma articulada”, comentou o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen.

Em um primeiro momento, foram acionadas as famílias e municípios de origem dos pacientes. “Santa Cruz do Sul foi o primeiro a atender nosso chamado e o primeiro a levar os pacientes de volta”, contou Maristela Schneider. Após serem trazidos para o município, os internos foram examinados. Todos apresentavam sinais de maus-tratos, desde a ocorrência de piolhos e vermes até doenças como tuberculose. “Todos também tinham sífilis”, comentou a promotora em vídeo.

Casas fechadas

Ainda durante os trabalhos do MP, uma das casas foi interditada, após a ocorrência de um incêndio, que colocou em risco a vida dos abrigados. “A Perpétuo Socorro foi interditada e o município de Cachoeira do Sul ficou responsável pela manutenção dos internos até que todos tivessem onde morar.”

No documentário, o Ministério Público comenta que sete casas foram fechadas e outras, nos moldes corretos, construídas. Pelo menos três dos novos abrigos são residências, onde os internos têm privacidade e os seus direitos respeitados. Elisandra Flores, que dizia estar sem esperança, foi levada para um dos novos lares. Lá, relata estar “muito feliz”.

Agora, dois anos após a ação, são 23 casas em funcionamento. São 510 pessoas internadas, sendo 134 delas com menos de 60 anos.

Documentário

O documentário “Projeto Cuidar – Vidas Reconstruídas” foi apresentado no dia 6 de abril durante o seminário “Compartilhando Experiências – Direito das Pessoas Idosas, com Deficiência ou com Transtorno Mental – o Papel do Ministério Público”, promovido pelo Centro de Apoio Operacional de Defesa dos Direitos Humanos.

Conforme o MP, na mesma data foi assinado um termo de cooperação técnica entre Ministério Público, Governo do Estado e Prefeitura de Santa Cruz do Sul, oficializando o grupo de trabalho permanente. “Estamos realmente muito felizes com os resultados obtidos até aqui, mas não plenamente satisfeitos, porque há muito a ser realizado nessa área de proteção social, dos idosos, dos deficientes mentais, e de outros grupos vulneráveis”, comentou o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen.

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