O Grupo Construindo Horizontes é um grupo de apoio formado por familiares e pacientes que participaram do Programa Entrelaços, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. É um grupo aberto à comunidade, que funciona num Centro Municipal de Saúde no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro.

O Portal Entendendo a Esquizofrenia foi conversar com Kathiuska Alvarez, coordenadora do grupo, sobre essa experiência.

Recentemente o grupo passou a acolher novas famílias que convivem com transtornos mentais severos, como esquizofrenia e transtorno bipolar, para partilharem experiências e soluções.

Conheça mais sobre esse projeto que vem transformando a assistência às famílias!


Portal Entendendo a Esquizofrenia: Conte um pouco do percurso do grupo Construindo Horizontes até aqui.
Kathiuska: O grupo Construindo Horizontes, nasceu em dezembro de 2016, quando foi apresentado no evento anual do Programa Entrelaços, do qual faz parte. Atualmente com aproximadamente um ano e meio, o grupo tem passado por várias etapas ou momentos de crescimento, na minha percepção.

A primeira etapa, antes do grupo se constituir formalmente, na participação do ciclo de palestras que o citado Programa contempla, com informações relevantes sobre os transtornos mentais severos e os diversos temas envolvidos, incluindo a importância da família no processo de recuperação dos pacientes. Seguido de um período de conhecimento dos integrantes e suas questões e o inicio da prática da dinâmica das partilhas, finalizando esta primeira etapa com a escolha das coordenadoras e do nome do grupo, trazendo elementos de identidade grupal, que nos levaram à segunda etapa ou momento: a busca de um espaço para os encontros.

Segunda etapa: após várias tentativas de busca de um espaço, em março do ano passado, houve a oportunidade de nos reunirmos no auditório do Centro Municipal de Saúde Dom Helder Câmara, em Botafogo, iniciando neste espaço um processo gradual de autonomia, junto ao acompanhamento dos especialistas do Programa Entrelaços, inicialmente de forma presencial e depois através de reuniões periódicas junto aos coordenadores de todos os grupos ou de eventuais suportes específicos, quando solicitados por nós.

Neste momento, o foco foi no exercício da troca de experiências, cada um colocando seus desafios em relação à sua situação junto ao seu parente vulnerável e a busca de soluções conjuntas. A escuta e a troca de diferentes percepções e formas de lidar com as situações, além das informações e suportes é o foco destes grupos.

Vários assuntos circularam, como: a dificuldade da aceitação da doença, da adesão a tratamentos por parte do paciente, sobre a comunicação familiar, a aceitação do tempo dos processos e seus altos e baixos, comportamentos de descontrole ou necessidade de equilíbrios nos comportamentos compulsivos; sobre o lidar com os medicamentos e seus efeitos colaterais, o lidar com os sintomas dos distúrbios, uma experiência de internação, o tema da importância de desligamentos físicos e emocionais do familiar em ralação ao parente vulnerável.

Compartilhamos também processos de abertura, movimentos de autonomia e pequenas-grandes vitórias tanto do paciente quanto dos familiares.

Mas sinto que o mais importante do primeiro ano do Construindo Horizontes foi a construção de uma estrutura grupal estável e de confiança, como um ponto de partida para próximos e mais aprofundados passos.

O Construindo Horizontes também teve experiências de atividades de socialização, como comemoração de aniversários, almoços após os encontros, participação em eventos culturais oferecidos por integrantes do próprio grupo, como peças de teatro e concertos de música e a nossa confraternização de fim de ano na residência de uma das famílias. Estas atividades de integração foram muito importantes no aprofundamento dos vínculos de amizade e trocas interpessoais que, feitas em ambientes e situações mais informais, propiciam um contato mais espontâneo, fortalecendo os vínculos e o exercício de habilidades sociais.

Terceira etapa: se iniciou, na nossa experiência de acolhimento de novas famílias.

Para isto destinamos um encontro com esta única pauta, definindo critérios e procedimentos com os quais o grupo se sentiu confortável para receber estas novas pessoas em situação semelhante à nossa.

Isto começou a acontecer em dezembro de 2017 e atualmente temos 3 novas pessoas participando do grupo de forma estável; algumas outras, em processo de integração e outras que eventualmente fazem contato para solicitar informação e ver possibilidades.Senti esta etapa como um momento de maturidade do grupo, nos sentindo capazes de acolher novas pessoas e nos abrindo a novas experiências.

Quarta etapa: sinto que começa a se esboçar agora, nesta tônica da expansão do grupo, que pode vir a propiciar um enriquecimento das partilhas, assim como a possibilidade de aprofundar mais nos temas mais significativos, suportes mais estruturados e de novas propostas que podem surgir do grupo.

Nos encontros recentes, foram levantados assuntos que poderia ser interessante compartilhar, alguns deles vindos dos novos integrantes. Tais como:

O serviço, o ajudar a outras pessoas ou seres, como uma forma potente de recuperação da saúde do vulnerável que experimenta muitas vezes um grande autocentramento na própria doença.

O tema dos limites por parte dos familiares em relação ao vulnerável, como uma forma de proteger a sua integridade, necessidades e, ao mesmo tempo, educar o vulnerável para ele mesmo aprender a lidar com seus limites.

O tema da integração da dimensão espiritual versus terrena, que se apresenta muitas vezes de forma desequilibrada nos vulneráveis, com uma sensibilidade muito aguçada que precisa ser canalizada. E nesta integração, a arte como uma ferramenta mediadora através da qual podem expressar esta espiritualidade. E a importância de atividades que ajudem a ’aterrar’, que envolvam o corpo, a estruturação da identidade e objetivos de vida.

Sobre a ocupação do vulnerável em atividades onde ele possa conciliar seus hábitos, sintomas e altos e baixos dos seus processos.Sobre os direitos e benefícios dos vulneráveis na área jurídica e da previdência social.

Outros temas como a importância de cuidar do cuidador, que inclui fazer eventuais desligamentos físicos e emocionais do vulnerável e da situação, um cuidado específico psicoemocional e do levantamento de metas pessoais, assim como a possibilidade de incluir a figura do acompanhante terapêutico como uma forma de delegar certas ações e promover mais autonomia do vulnerável.

E, finalmente, a importância da terapia familiar, para trabalhar o relacionamento do familiar com o vulnerável dentro do contexto familiar, entendendo tanto o adoecimento quanto a busca de saúde como um assunto sistêmico.


Portal Entendendo a Esquizofrenia: Como você vê o papel dos grupos de apoio na comunidade para as famílias e pessoas com transtornos mentais?
Kathiuska: É um movimento natural que seres humanos se unam para se apoiar a partir de desafios comuns, sobretudo em situações que envolvem sofrimento, sentimento de impotência e estigma; e normalmente o resultado é muito positivo.

O tratamento dos pacientes com transtornos mentais e suas famílias se caracteriza por uma abordagem multidisciplinar, onde se integram vários tipos de tratamentos e atividades, e neste contexto, os grupos de apoio entram com a função de ampliar a rede de apoio e espaços de expressão e interação social junto a pessoas em situação semelhante, através da troca de experiências e busca de soluções conjuntas ao longo dos seus processos.

Quando as pessoas nos procuram para participar do grupo, seja o familiar ou o próprio paciente, entendemos isto como um sinal de saúde. É quando certos limites são percebidos e há uma abertura para ampliá-los ao se dispor a compartilhar a sua situação e a ouvir outras experiências semelhantes, com formas diferentes de perceber e agir; e esta diversidade de percepções e experiências compartilhadas, conjugadas com a vontade sincera de ajuda mútua do grupo, vão criando vínculos de confiança, afeto e referências para melhor lidar com as situações.

Nestes grupos de apoio, apenas a troca de experiências e a busca de soluções no coletivo vão criando um logos próprio e sob medida das necessidades dos participantes; e uma sabedoria empírica gerada pelo grupo vai dando suporte às dificuldades e estrutura para as aprendizagens, criando-se vínculos que nos motivam a ir adiante. Sentimos que não estamos sozinhos e renovamos a cada encontro a esperança e resiliência para seguir lidando com os desafios.

Nos grupos de apoio há o compartilhar de sentimentos, experiências, dificuldades, superações, tomada de decisões, troca de informações, sugestões, inspirações e aprendizagens.

Muitas vezes, ao ver situações que nos parecem mais graves do que a nossa, retiramos toda dramaticidade excessiva ou vitimismo na nossa percepção da situação e construímos uma percepção mais equilibrada e proativa, encontrando mais assertividade nas nossas ações; outras vezes, ao contrario, o grupo nos alerta quando estamos subestimando certos aspectos da nossa situação ou não os percebendo, que sim necessitariam de atenção e ações imediatas.

Num grupo de apoio, nos sentimos acolhidos, entendidos, apoiados, acompanhados, encontrando empatia e solidariedade nos momentos desafiadores, vibração e alegria  nos momentos de conquistas e uma contínua ‘torcida’ e disponibilidade para contribuir com o bem-estar e melhoria da vida de cada um.


Portal Entendendo a Esquizofrenia: O grupo de vocês é aberto também para pacientes. Como você avalia a participação dos pacientes e como isso pode ajudá-los?
Kathiuska: Atualmente 3 pacientes fazem parte do Construindo Horizontes. Dois que estão desde o inicio do grupo e um que chegou em dezembro do ano passado. Participam bem espontaneamente, colocando as suas questões, relatando episódios acontecidos ou questões de desafio e recebendo bem as contribuições vindas do grupo. Como todos têm pelo menos um familiar que também faz parte do grupo, eles as vezes colocam assuntos de relacionamento com eles, muitas vezes nos presenteando, sendo ‘espelhos’ de aspectos de trabalho pessoal de nós familiares.

Os pacientes criam vínculos entre eles, identificando interesses em comum e, as vezes, fazem programas fora das reuniões do grupo.

Então o grupo se torna bem importante para eles em primeiro lugar, porque expande seu circulo de apoio. Muitas vezes estão em situação de isolamento ou pouca interação social e, ao conhecer outras pessoas que estão numa situação semelhante, podem se abrir a se expressar, e estabelecer vínculos de forma mais confortável, sentindo-se compreendidos nas suas limitações e encorajados no seu potencial de superação; sendo apoiados nas suas necessidades, talentos, metas, o que favorece o processo de empoderamento e, em consequência, de recuperação.

O contato com outras famílias do grupo também é muito importante para os pacientes, absorvendo modelos diferentes de estruturação familiar e de relacionamento, que vão enriquecendo seu repertório afetivo e relacional. Sendo estes vínculos menos carregados de intensidade emocional que os da família terminam disponibilizando suportes alternativos e de mais leveza. De certa forma, sinto que a sensação de família se amplia.

O paciente pode encontrar no grupo espécies de ‘padrinhos’, pessoas com as quais fazem um vinculo de confiança e admiração e que podem muitas vezes mediar certas situações que são mais difíceis junto a seus familiares.

A presença da família junto aos pacientes nos grupos de apoio permite que os assuntos sejam abordados não só a nível individual, mas dentro de um micro-contexto familiar, o que favorece a compreensão das diferenças de percepções e das necessidades do familiar e do paciente, possibilitando flexibilizações e acordos, o que pode ir aos poucos trabalhando um campo familiar mais propicio para a recuperação do paciente.


Portal Entendendo a Esquizofrenia: Pessoalmente como essa experiência impactou a sua vida?
Kathiuska: O adoecimento do meu familiar veio como uma experiência súbita, inesperada e inédita.

Num primeiro momento, com grande dosagem de sofrimento, mas, ao mesmo tempo, gerando inúmeras e profundas aprendizagens.

Sofrimento, pela dificuldade inicial de entendimento, falta de experiência e informação; mais adiante, pela resistência à aceitação, o sentimento de impotência, frustração de expectativas e insistência em querer mudar o outro… tudo isto, gerando bastante ansiedade e angustia que, embora ainda estejam presentes em certos momentos, sinto que há mais clareza e equanimidade para lidar com as situações, pela maior compreensão, informação, orientação profissional, suportes psicoterapêuticos, suporte do grupo de apoio de famílias e pelas aprendizagens assimiladas.

Mesmo assim, o processo segue, num continuum de desafios e aprofundamento das aprendizagens.

Já são quase 5 anos… E parece que há um mistério nas doenças crônicas…

Talvez porque sejam como mensageiros de pedidos da Alma que implicam numa verdadeira reforma intima individual, mas também da constelação familiar e, por isto, precisam de tempo…

A doença se transforma, então, em parceira de percurso de crescimento, onde na medida em que a aceitamos, sofremos menos e aprendemos mais, e vamos entendendo o modo de lidar com ela, caminhando lado a lado, fazendo as mudanças e aprendizagens que nos pede.

Assim, a saúde vai se refazendo do seu modo e no seu tempo, e tendo entendido a mensagem e feito as mudanças necessárias, a nossa ‘parceira’, em algum momento, poderá se retirar…

Bem paradoxalmente, se, por um lado o processo da doença e busca de saúde se estende por longo tempo, com muitos altos e baixos, avanços e retrocessos, por outro lado a sensação é de estarmos acelerando as curas, de tão exigentes e desafiadoras que são as situações, onde não temos como adiar as mudanças exigidas. Sem saída, somos obrigados a ser outros, a nos reinventar através de um processo de transformação, de aprendizagens, fortalecimento de valores e foco em novos paradigmas. Por isto, de certa forma , é como se tivéssemos a oportunidade de acelerar o processo evolutivo.

Tenho entendido que estes seres sensíveis que chamamos de vulneráveis se oferecem para fazer curas mais amplas; são como canais de purificação que põem em evidencia estados que precisam ser harmonizados na família e, através da doença, processam suas próprias curas individuais, mas também mobilizam a cura de outras pessoas e situações da constelação familiar, e também se colocam como espelhos nos mostrando o que precisamos curar e aperfeiçoar e, por isto, são verdadeiros maestros evolutivos.

Por tudo isto, ao meu filho, sou profundamente agradecida. E encorajada a continuar a fazer a transformação que me corresponde.

Hoje posso reverenciar o amor que vai amadurecendo nesta experiência, que, como a vida, precisa abrir caminhos para brotar da terra na busca do sol e assim crescer e florescer em direção de um Amor Maior. Confio na aprendizagem que ambos estamos fazendo, cada um no seu tempo e da forma que é possível, como mãe e filho e cada vez mais como Almas que decidiram viver esta experiência de purificação e de ampliação da consciência amorosa.

E que mensagens esta experiência está me ofertando?

Confie; tudo é um jogo divino para que aprenda a amar e ser livre.

E indo neste fluxo de confiança e de entrega, poderá ver que o que parece separado, começa a se unir; que o que é ilusão vai se dissolvendo e dá lugar ao verdadeiro; e como o veneno vai se transformando em néctar, guardando refúgio na Fé, na Presença, na Vigília e perseverando na Oração.

A dor deste episódio dentro da experiência da maternidade lhe convida a experimentar a alegria de ampliar o significado de ser mãe, sendo criadora e nutridora de realidades mais amplas de amor verdadeiramente desinteressado, para beneficio de muitos outros seres e, desde esta perspectiva mais ampla, amar o seu filho, a você mesma e ao propósito maior que lhe foi confiado.

Tudo isto é para que compreenda que a mudança é de dentro para fora. Que só ajudamos na mudança do outro mudando a nós mesmos. Que nos transformar junto ao outro tem o poder real de transformá-lo.

Que a Fé é a sua única certeza e guia.

Que deve confirmar e perseverar no foco, na dimensão sutil, que nos conecta com a nossa Alma, com quem é e para quem está aqui aprofundando no serviço ao planeta.

Mantenha-se na energia da Gratidão por tudo, por todos e na aspiração sincera de que todos os seres possam ser felizes e livres e se realizem no Amor.


Portal Entendendo a Esquizofrenia: Como uma família pode chegar ao grupo para participar das reuniões?
Kathiuska: A família pode fazer contato com as coordenadoras do grupo, por telefone ou e mail, e pode ser marcado um encontro onde escutamos um pouco sobre a sua situação e necessidades e falamos sobre o grupo e a sua forma de dar apoio, e a convidamos a fazer uma visita, deixando-a à vontade para sentir se querem fazer parte.

Mas dependendo do caso, podemos sugerir outros encaminhamentos.
 


• GRUPO “CONSTRUINDO HORIZONTES”: Auditório do Centro Municipal de Saúde Dom Helder Câmara, Rua Voluntários da Pátria 136, Botafogo (próximo ao metrô).

→ Descrição: o grupo é composto de familiares e pacientes e se reúne a cada quinze dias em datas específicas, aos sábados pela manhã. Para maiores informações contactar um dos coordenadores do grupo – Kathiuska Alvarez (tel.: 99922-4434 / e-mail: kalvarez@uol.com.br) e Graça Muniz (tel.: 99737-4897).


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