Aumentar níveis de microRNA é a chave para impedir alucinações, dizem pesquisadores

As “vozes” que invariavelmente atormentam os ouvidos de quem sofre de esquizofrenia estão a um passo de serem silenciadas, afirmam pesquisadores do St. Jude Children’s Research Hospital, nos EUA. Eles identificaram um pequeno fragmento de RNA — classificado como microRNA — que tem um papel-chave na função do circuito cerebral associado às alucinações de quem passa por surtos esquizofrênicos. Publicado ontem na “Nature Medicine”, o achado abre caminho para a criação de novos medicamentos antipsicóticos que atuem diretamente nesse microRNA, provocando menos efeitos colaterais do que as drogas usadas hoje em dia.

Existem mais de 2 mil microRNAs responsáveis por regular o estoque de proteínas que correspondem a determinados genes. O novo estudo mostra que o microRNA chamado de miR-338-3p é o regulador da produção do receptor D2 de dopamina. E é justamente este receptor — que é, na verdade, uma proteína — o alvo principal dos remédios antipsicóticos.

Por meio de experimentos com camundongos, os cientistas chegaram à conclusão de que quanto maior o nível de miR-338-3p no cérebro, menor é a quantidade dessa proteína. Como consequência, menor é o risco de desenvolver surtos de esquizofrenia. Portanto, se alguma droga conseguir aumentar a quantidade desse microRNA no cérebro, interromperá o circuito responsável pela doença, evitando sua manifestação.

Um dos autores da pesquisa, Stanislav Zakharenko explica que níveis elevados dessa proteína dificultam a sinalização do circuito que liga o tálamo — região central do cérebro associada à cognição e à consciência — e o córtex auditivo — região implicada nas alucinações auditivas.

— Em uma pesquisa de 2014, identificamos o circuito específico no cérebro que é alvo de drogas antipsicóticas. No entanto, os antipsicóticos existentes causam efeitos colaterais — destaca Zakharenko, que é membro do Departamento de Neurobiologia do Desenvolvimento do Hospital de St. Jude. — Agora, identificamos o microRNA que tem um papel fundamental na interrupção desse circuito. Esse microRNA poderia ser direcionado para o desenvolvimento de uma nova classe de drogas antipsicóticas com bem menos efeitos colaterais.

Incidência de 30 em cada 100 mil pessoas

Com tratamento adequado, estima-se que 2/3 das pessoas com esquizofrenia apresentam boa evolução, podendo até não voltar a ter surtos. Porém, entre os possíveis efeitos colaterais dos remédios, estão taquicardia, aumento da glicose, tremores, vômitos e redução de libido.

De acordo com o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo, o risco de uma pessoa desenvolver esquizofrenia é de 1%, e a incidência é de 30 novos casos em cada 100 mil habitantes por ano. As mulheres têm uma ligeira vantagem sobre os homens: a idade média para início da doença nelas é entre 25 e 30 anos, enquanto neles é de 20 a 25 anos. E o quadro da doença em mulheres costuma evoluir de forma melhor do que no sexo masculino.

As alucinações auditivas são as mais frequentes: o paciente escuta vozes que comentam sobre as atitudes dele ou lhe dão ordens, às quais ele raramente consegue resistir. O esquizofrênico pode também ter delírios ao interpretar a realidade, como achar, por exemplo, que uma notícia na televisão diz respeito a ele.

Fonte: O Globo

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