“Eu tinha 30 anos quando recebi o diagnóstico de que era esquizoafetiva. Além da psicose, oscilo entre a euforia e a depressão. Nunca tinha ouvido falar em psicose. Não era ligada em saúde mental. Quando o médico me disse: “O que você tem é uma doença”, me senti aliviada. Para mim, era sinal de que havia uma solução, um tratamento. Olhei para o médico e respondi: “Ótimo. E o que eu faço agora?”.

Tudo começou em junho de 1999. Eu era funcionária pública, trabalhava na prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo. Como agente de cultura, organizava exposições de artes plásticas. Pedi 5 meses de licença. Tinha férias vencidas, emendei tudo e fui para os Estados Unidos. A minha intenção era arrumar trabalho, enquanto estivesse lá, para levantar um dinheiro e estudar inglês. Minha irmã, um ano mais nova, morava nos EUA havia cinco anos. Aproveitei para ficar com ela. Não conhecia mais ninguém, era minha primeira viagem internacional. A intenção era passar cinco meses lá fora.

Já no aeroporto, me senti estranha. O rapaz da imigração, em Nova York, me fazia perguntas em português e eu achava esquisito. Respondia: “I don’t speak english” (“Eu não falo inglês”). Fiquei confusa. Não entendi nada. Mais tarde, descobri que aquilo era o primeiro sintoma. Passou. Fui para a casa da minha irmã. Consegui um emprego duas ou três semanas depois. Comecei a trabalhar em uma empresa pequena, que confeccionava caixas para presentes. O dono estava sempre por lá. Eu colocava uma caixa sobre a esteira, e a máquina cobria com papel. O trabalho era repetitivo. Comecei a pensar que o meu chefe estava dizendo para o dono da empresa escolher: ou ele, ou eu. Fiquei tensa. Eu o ouvia dizer isso e não entendia o motivo. Todo mundo dizia gostar do meu trabalho. Eram sintomas da doença. Mas eu até então não sabia, achava que era tudo verdade. Fui para casa e decidi que não voltaria mais pra lá. No dia seguinte, em casa, ouvia passos. Achava que meu chefe tinha ido me buscar.

Meu curso de inglês começou em setembro. No primeiro dia de aula, estava em crise. Achava que o FBI (polícia americana) estava atrás de mim. Entrei na sala, pedi licença para o professor e saí. Na minha cabeça, tudo isso fazia sentido: os agentes queriam me pegar porque eu tinha trabalhado ilegalmente no país.

Em casa, eu tinha a certeza de que havia câmeras no meu quarto. Pensava que o rádio conversava comigo. Imaginava que estava numa pegadinha do Faustão, e que minha vida era exposta para o mundo inteiro. No fundo, sabia que havia alguma coisa errada. Ainda tinha lucidez suficiente para saber que algo ia mal, mas não conseguia identificar o problema. Minha irmã, acompanhando as minhas reações, me mandou para o hospital. Concordei, mas achava que isto era uma humilhação. Ir ao médico me exporia, mas por outro lado também seria bom. Ele me diria que aquilo não passava de uma pegadinha, e tudo ia acabar.

Chegando lá, fui internada na ala psiquiátrica do hospital por doze dias. Um intérprete acompanhava o médico ao meu quarto, toda manhã. Era medicada e ouvia sempre a mesma pergunta: “Você vai voltar para o Brasil?”. No dia que respondi que sim, me deu alta. Era bastante frio comigo. Não me apresentou nenhum diagnóstico. Perguntava o que eu estava sentindo, e eu não sabia responder. Continuava confusa. Aceitei os remédios porque, na minha cabeça, era uma maneira de cessar meu sofrimento.

Depois de receber alta, fiquei nos EUA até dezembro. O diagnóstico médico eu só recebi no Brasil, cerca de dois meses após o meu retorno. Já no meu país, comecei a fazer tratamento com um excelente profissional, que me ajudou a entender a esquizofrenia. A ver a doença como algo com o que eu poderia conviver.

Por seis meses, silenciei sobre tudo o que tinha vivido. Não contei pra ninguém. Quando já me sentia mais à vontade, comentei com dois ou três colegas. Não dei detalhes, nem falei sobre o diagnóstico. Continuei trabalhando na prefeitura por mais nove anos. Só me aposentei por causa do estresse. Naquele ano, em 2008, cuidava da organização de exposições para a cidade. Tinha que visitar ateliês de artistas plásticos. Mas não me sentia confortável. Eu já não gostava de fazer sala, conversar com os profissionais, jogar conversa fora. Também tinha que escolher quais obras e artistas seriam expostos. Eles me pressionavam por espaço. Eu já não me sentia à vontade. Conversei com meu médico e ele decidiu me aposentar. Assinou um atestado e, dois anos depois, veio a aposentadoria. Estava deprimida naquele momento.

Superar o transtorno não significa estar curada da doença. A pessoa só supera a doença se ela se aceitar. Se não aceitar que é doente, não engaja no tratamento. E, se não trata, não supera. A esquizofrenia é grave. Exige medicação e psicoterapia. Não tem cura, mas você pode aprender a lidar com ela. Viver com esquizofrenia também exige autoconhecimento. Eu sei, por exemplo, que devo evitar situações de estresse para não ter novos episódios de psicose. Já me conheço e sei quais são meus gatilhos de estresse. Evito e tento controlar a situação. Desta forma, lido melhor com a doença.

Sempre gostei de estudar, por exemplo. Mesmo depois da doença, tentei fazer uma segunda faculdade [Vera é socióloga]: geografia na USP. Frequentei o curso por três anos. Mas, em um dado momento, comecei a achar que as pessoas estavam rindo de mim, me olhando torto. Parei. Cheguei à conclusão de que, talvez, eu não devesse fazer cursos presenciais. Hoje, só faço online. Estudo marketing digital. Aos poucos, percebi que eu não precisava deixar de fazer aquilo de que eu gosto. Só precisava encontrar outras formas, alternativas que não me agridam.

É importante também encontrar um propósito de vida. Hoje, participo das atividades da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre). Dou palestras para falar sobre o que vivo. Antes de conhecer a Abre, entendia que tinha transtorno mental, mas ia levando a vida. Agora, o meu propósito de vida inclui o transtorno mental, como ação diária. Participo de um grupo de esquizofrenia online, faço atividades que envolvem a doença. Sempre de uma forma construtiva. Uso o meu transtorno para realizar coisas que me tragam crescimento pessoal. E, quem sabe, financeiro também. Estou fazendo da doença a minha vida, de uma forma saudável. E não lamento, não digo: “Ah, eu sou doente”.

Depois que me aposentei, veio a dúvida: o que fazer da minha vida? Sabia que tinha condições de ser produtiva, tinha condições de trabalhar. Como gosto de computador, empreendedorismo e marketing digital, comecei a estudar sobre isso. Decidi criar um site para vender produtos: livros, cursos online. E qual seria o foco deste site? Será que eu devia falar sobre esquizofrenia? Fiquei em dúvida. Acabei decidindo fazer um blog sobre transtornos mentais. Falar sobre o que eu vivencio, incluir relatos de pessoas que superaram o transtorno mental. O blog ainda não está no ar, mas está previsto para estrear neste semestre. Quero virar uma referência no tema na internet.”

Conheça a ABRE – Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia – www.abrebrasil.org.br

Fonte: Revista Época
Foto: Rogério Cassimiro/Época

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