Meu nome é Selma. Com 22 anos, meu único filho cursava o quarto período da faculdade e estava muito entusiasmado com seu primeiro estágio profissional numa rede hoteleira internacional. Com o filho na faculdade, o sonho da casa de campo realizado, o ápice da vida profissional atingido e a superação de dois tumores malignos pensava “agora é só colher os frutos e saboreá-los deitada numa rede debaixo de uma árvore”. Preparava-me para a aposentadoria.

Pouco tempo depois de iniciar o estágio, comecei a notar em meu filho uma indiscreta desinibição, euforia excessiva e o abuso de álcool e por duas ocasiões maconha escondida no armário. Joguei a maconha fora e tivemos uma conversa em que ele alternava entre a concordância com a autoridade materna e a rebeldia de um jovem que agora, pela primeira vez, tinha um salário próprio.

Esse estado alterado e a incapacidade em realizar as tarefas profissionais exigidas levaram a sua demissão e o afloramento da primeira crise psicótica. Nos três anos consecutivos, ele foi tratado como portador de transtorno bipolar de humor, não apresentando melhora e tendo muita dificuldade em aderir aos tratamentos medicamentoso e psicológico.

Nessa época, eu pouco entendia o processo da enfermidade mental e não sabia como me relacionar com esse NOVO filho. Vale ressaltar que a minha formação profissional como médica não me habilitava em lidar com a totalidade desse desafio, pois transcendia a mera informação científica. Exigia muito mais.

Com o aprofundamento da pratica da fé foi possível entender a doença mental como fato inerente de minha vida. Não adiantava negar, fugir, esconder, chorar ou espernear. Teria que encará-la de frente, de pé, aqui e agora como orienta a filosofia budista.

Creio que um dos momentos mais dramáticos dessa caminhada foi a expressão da esquizofrenia em todo o seu conteúdo e força. Trancada no quarto, tremendo de medo e cheia de pavor, ouvia do outro lado da porta meu filho quebrar objetos e gritar. Transtornado e irreconhecível, minutos antes ele tinha me ameaçado com uma faca de cozinha. Com a ajuda de duas amigas, por telefone, o corpo de bombeiro me resgatou e o levou para a internação. Esse era o terceiro surto psicótico e o segundo em apenas poucos meses.

Minha vida havia saído completamente de controle, ficando a deriva e ao sabor de enormes ondas de medo, revolta, dor e autocomiseração.

Foi nessa fase de desespero que passei a procurar ainda mais ajuda. Agora não mais somente para o Felipe, mas para mim mesma, pois sabia que tinha chegado ao meu limite e que a partir dai não teria condições de prosseguir com alguma sanidade. Procurava informações na internet e comprava livros. Falava com um e com outro sobre doença mental buscando sempre mais informação e orientação.
Dizem que quem ora sempre alcança e quem procura acha. Assim, cheguei ao livro “Entendendo a esquizofrenia – como a família pode ajudar no tratamento?” e ao grupo de ajuda mútua voltado para os familiares de portadores de transtorno mental.

Encontrar acolhimento e um espaço onde o que você sente e vive é verdadeiramente compreendido pelos outros foi para mim o grande divisor de águas.

Deixar para a trás, com tranquilidade, a antiga vida, assim como reformular meus sonhos e objetivos, foram etapas decisivas para sair da armadilha de vítima na qual, em algum momento, cada um de nós se coloca.

Aos poucos, com muita benevolência para comigo e meu filho, redefinindo o nível de expectativa e exigência, e com muita fé na enorme capacidade que cada ser humano tem em se transformar e modificar seu meio ambiente, hoje sou capaz de contribuir de maneira satisfatória e adequada para a recuperação do grande amor de minha vida, meu filho.

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