O estudo é de Portugal, mas serve de reflexão também para o Brasil sobre os rumos que a política de saúde mental vem tomando.

Um estudo da Universidade de Coimbra (UC) concluiu que “a execução prática do Plano Nacional de Saúde Mental” (publicado em 2007) tem sido “francamente insuficiente, sobretudo no que diz respeito à reabilitação psicossocial de pessoas com doença mental severa”.
Desenvolvido na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UC e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, o estudo analisa, pela primeira vez, os serviços de reabilitação psiquiátrica em Portugal e as barreiras ao seu desenvolvimento.

A investigação focou-se na “avaliação dos programas de reabilitação existentes para a doença mental severa, nomeadamente para as perturbações do espetro da esquizofrenia”, adianta a UC, numa nota hoje divulgada.

Desenvolvida nos últimos quatro anos, a pesquisa “abrangeu 70 instituições de todo o país a trabalhar na área e doentes integrados em programas de reabilitação em dois hospitais psiquiátricos e duas IPSS (instituições privadas de solidariedade social), bem como um grupo de controlo”, sem “qualquer acompanhamento psicossocial”.

A maioria das instituições que participaram no estudo referiram prestar atividades de reabilitação, mas “os programas recomendados pelas diretrizes internacionais (por terem comprovada eficácia) encontram-se insuficientemente implementados em Portugal”, sublinha na mesma nota.

Além disso, “em termos de qualidade de vida e de funcionamento ocupacional e social, não foram encontradas diferenças significativas entre pessoas com doença mental incluídas em programas de reabilitação e pessoas com doença mental sem qualquer acompanhamento psicossocial”, destaca a investigadora Carina Teixeira, cujos resultados do estudo constam na sua tese de doutoramento, orientada por Julian Leff, cientista do King`s College London, e por Eduardo Santos, investigador da UC.

Esta situação ocorre porque “os serviços de reabilitação portugueses caracterizam-se, salvo poucas exceções, por contextos educacionais, ocupacionais e habitacionais segregados”, sustenta o estudo.

Tais modelos são “obsoletos, estando longe do que é atualmente praticado” em países como EUA e Reino Unido e “a literatura científica mostra claramente que não favorecem a integração comunitária e impedem a recuperação dos utentes”.

Outra das conclusões da pesquisa, que “propõe medidas para uma efetiva reabilitação psiquiátrica”, é “o estigma em relação à esquizofrenia, cuja taxa de prevalência em Portugal se situa na ordem dos 100 mil”, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.

A luta contra o estigma “deve começar nos próprios profissionais, que subestimam as capacidades das pessoas com doença mental, acabando por lhes transmitir mensagens de desesperança que afetam a sua luta pela recuperação e pelo alcance dos objetivos pessoais”, assegura a investigadora da UC.

O sistema “tem de perceber que a esquizofrenia não é uma fatalidade” e que “a reabilitação psicossocial é possível”, sustenta Carina Teixeira.

“É urgente implementar programas de educação apoiada, modelos de colocação no emprego competitivo que tenham em conta as especificidades desta população, e programas residenciais que promovam a obtenção de habitação independente, da escolha da pessoa em reabilitação e com apoio flexível, na comunidade”, sublinha.

“A ideia, amplamente difundida, de que a recuperação na esquizofrenia não é possível é um mito”, defende a investigadora, que decidiu estudar esta temática por ter identificado “debilidades nas oportunidades de reabilitação proporcionadas a esta população, enquanto psicóloga voluntária na Associação Recriar Caminhos” — instituição que promove o desenvolvimento vocacional, formação e inclusão de pessoas com esquizofrenia.

A legislação existente também foi analisada no estudo, verificando-se ser “bastante frágil e desajustada”, como revelam artigos já publicados em jornais e revistas científicas, como, por exemplo, no International Journal of Culture and Mental Health.

Fonte: RTP Notícias

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