Aparentemente, Eleanor Longden era exatamente como qualquer outra estudante, indo para a universidade cheia de promessas e sem preocupações com o mundo. Até que as vozes em sua cabeça começaram a falar. Inicialmente inócuos, esses narradores internos começaram a ser tornar cada vez mais antagônicos e ditatoriais, transformando sua vida num pesadelo vivo. Diagnosticada com esquizofrenia, hospitalizada e drogada, Longden foi descartada por um sistema que não sabia como ajudá-la. Longden conta a história comovente de sua jornada de anos para recuperar a saúde mental, e constrói o argumento de que foi aprendendo a escutar suas vozes que ela foi capaz de sobreviver.

Assista à palestra de Eleanor Longden em TED.com ou leia a transcrição da palestra em português.

“No dia em que saí de casa para ir à universidade pela primeira vez, era um dia lindo, cheio de esperança e otimismo. Eu fui bem na escola. Minhas expectativas eram altas e entrei alegremente na vida estudantil de palestras, festas e roubos de cones de trânsito.

As aparências, é claro, podem enganar, e, de certa maneira, esta vida enérgica e festiva de palestras e roubos de cones era um disfarce, embora fosse um disfarce muito bem feito e convincente. Por trás dele, eu era na verdade muito infeliz, insegura, e profundamente apavorada — apavorada pelas pessoas, pelo futuro, pelo fracasso e pelo vazio que sentia que estava dentro de mim. Mas eu era boa em esconder isso, e por fora eu parecia uma pessoa cheia de esperanças e aspirações. eu parecia alguém cheia de esperanças e aspirações. Esta fantasia de invulnerabilidade era tão bem feita que até mesmo eu me enganava, e quando o primeiro semestre terminou e o segundo começou, ninguém poderia ter previsto o que estava prestes a acontecer.

Eu estava saindo de um seminário quando começou, assobiando sozinha, mexendo na minha bolsa, como já tinha feito centenas de vezes antes, quando, de repente, ouvi uma voz afirmar calmamente: “Ela está saindo da sala.”

E olhei em volta, e não havia ninguém lá, mas a clareza e determinação do comentário era inconfundível. Tremendo, eu deixei meus livros nas escadas e corri para casa, e lá estava a voz de novo: “Ela está abrindo a porta.”

Isso era o começo. A voz havia chegado. E a voz persistiu, dias e depois semanas com ela, sem parar, narrando tudo o que eu fazia na terceira pessoa.

“Ela está indo para a biblioteca.”

“Ela está indo para uma palestra.” Ela era neutra, impassível, e até, depois de algum tempo, estranhamente companheira e reconfortante, apesar de eu não perceber que sua calma exterior sumia às vezes e que ela refletia minha própria emoção reprimida. Por exemplo, se eu estivesse com raiva e precisasse esconder isso, o que eu fazia com frequência, por ser muito habilidosa em esconder como eu me sentia, então a voz soava frustrada. Caso contrário, ela não era nem sinistra nem perturbadora, apesar de que, mesmo àquela altura, estava claro que ela tinha algo a me comunicar sobre minhas emoções, especialmente as emoções que estavam distantes e inacessíveis.

Foi neste momento que cometi um erro fatal, quando contei a uma amiga sobre a voz, e ela ficou horrorizada. Um processo sutil de condicionamento teve início, a ideia de que pessoas normais não ouvem vozes e o fato de que eu as ouvia significavam que algo estava muito errado. Esse medo e desconfiança eram contagiosos. De repente, a voz não parecia tão benigna como antes, e quando minha amiga insistiu que eu procurasse ajuda médica, eu obedeci, o que provou ser o erro número dois.

Eu passei algum tempo contando ao médico da faculdade sobre o que eu percebia ser o problema real: ansiedade, baixa autoestima, medo sobre o futuro, e fui recebida com indiferença entendiada, até que mencionei a voz, e foi quando ele largou sua caneta, se virou e começou a me questionar, demonstrando real interesse. E para ser sincera, eu estava desesperada por atenção e ajuda, e comecei a contar a ele sobre minha estranha comentarista. E sempre desejei que, naquele momento, a voz tivesse dito: “Ela está cavando a própria cova.”

Eu fui indicada para um psiquiatra, que também assumiu uma opinião severa sobre a presença da voz, interpretando subsequentemente tudo o que eu dizia por trás de lentes de insanidade latente. Por exemplo, eu participava de um canal de TV estudantil que transmitia boletins de notícias pelo campus, e durante uma consulta, que estava ocorrendo muito tarde, eu disse: “Desculpe-me, doutor, preciso ir. Vou ler as notícias das seis.” Agora está anotado nos meus registros médicos que tenho alucinações de que sou uma apresentadora de notícias da TV.

Foi neste ponto que os eventos começaram a me sobrecarregar rapidamente. Uma internação hospitalar se seguiu, a primeira de muitas, um diagnóstico de esquizofrenia veio em seguida, e então, o pior de tudo, uma sensação tóxica e angustiante de descrença, humilhação e desespero sobre mim mesma e minhas perspectivas.

Mas ao ser encorajada a ver a voz não como uma experiência mas como um sintoma, meu medo e resistência contra ela se intensificaram. Essencialmente, isso representava assumir uma posição agressiva contra minha própria mente, um tipo de guerra civil psíquica, e, por sua vez, isso provocou um aumento do número de vozes que ficavam cada vez mais hostis e ameaçadoras. Desamparada e descrente, eu comecei a recuar para este mundo interno tenebroso, em que as vozes estavam destinadas a se tornar tanto minhas perseguidoras como companhias percebidas só por mim. Elas me diziam, por exemplo, que se eu provasse que merecia a ajuda delas, então elas podiam fazer minha vida voltar ao que era antes, e foi criada uma sequência de tarefas cada vez mais bizarras, como os trabalhos de Hércules. Ela começava com coisas pequenas, por exemplo, puxar três fios de cabelo, mas, gradualmente, ficava cada vez mais extrema, culminando em ordens para machucar a mim mesma, e uma instrução particularmente dramática:

“Você está vendo o tutor ali? Você está vendo aquele copo d’água? Pois bem, você terá de ir até lá e jogar água nele, na frente dos outros alunos.”

O que eu acabei fazendo, e não é preciso dizer que isso não me fez popular na faculdade.

Com efeito, um ciclo de medo, esquiva, desconfiança e mal-entendido foi estabelecido, e isso foi uma batalha em que me sentia impotente e incapaz de estabelecer qualquer tipo de paz ou reconciliação.

Dois anos depois, a deterioração foi dramática. Àquela altura, eu tinha todo o repertório frenético: vozes assustadoras, visões grotescas, alucinações bizarras e incuráveis. Minha saúde mental era um catalisador para discriminação, abuso verbal, e assédio físico e sexual, e fui avisada pelo meu psiquiatra: “Eleanor, era melhor que você tivesse câncer, pois o câncer é mais fácil de curar do que a esquizofrenia.” Eu fui diagnosticada, drogada e descartada, e, a essa altura, estava tão atormentada pelas vozes, que tentei fazer um buraco na minha cabeça para que elas saíssem.

Vendo agora minha ruína e desespero daqueles anos, parece para mim como se alguém tivesse morrido naquele lugar, e ainda assim, outro alguém foi salvo. Uma pessoa quebrada e assombrada começou esta jornada, mas a pessoa que emergiu foi uma sobrevivente e iria crescer finalmente dentro da pessoa que eu estava destinada a ser.

Muitas pessoas me machucaram em minha vida, e eu lembro de todas elas, mas as memórias empalidecem e desvanecem em comparação com as pessoas que me ajudaram. Os colegas sobreviventes, os colegas que ouvem vozes, os camaradas e colaboradores; a mãe que nunca desistiu de mim, que sabia que um dia eu voltaria para ela e estava disposta a esperar por mim tanto tempo quanto fosse preciso; o médico que me atendeu apenas por um breve período, mas que reforçou sua crença de que a recuperação não só era possível, mas inevitável, e durante um período devastador de recaída disse a minha família: “Não desistam. Eu acredito que a Eleanor pode sair dessa. Às vezes, sabem, pode nevar até o fim de maio, mas o verão sempre chega finalmente.”

Quatorze minutos não é tempo suficiente para agradecer todas essas pessoas boas e generosas que lutaram comigo e por mim e que esperaram para me ver de volta daquele lugar solitário e agonizante. Mas juntas, elas forjaram um misto de coragem, criatividade, integridade e uma crença inabalável de que o meu eu despedaçado pudesse ser curado e integrado. Eu costumava dizer que essas pessoas me salvaram, mas o que sei agora é que elas fizeram algo ainda mais importante, e me deram o poder para salvar a mim mesma, e, de forma crucial, elas me ajudaram a entender algo que eu suspeitava desde sempre: que minhas vozes eram uma resposta significativa para eventos traumáticos, especialmente eventos da infância, e, dessa forma, elas não eram minhas inimigas, mas uma fonte de reflexão para resolver problemas emocionais.

A princípio, isso foi muito difícil de acreditar, principalmente porque as vozes pareciam tão hostis e ameaçadoras. Nesse aspecto, um passo vital foi aprender a separar um significado metafórico do que eu antes interpretava como uma verdade literal. Por exemplo, sobre as vozes que ameaçavam atacar minha casa eu aprendi a interpretá-las como meu próprio sentido de medo e insegurança no mundo, ao invés de um perigo real e objetivo.

No começo, eu teria acreditado nelas. Por exemplo, eu lembro de uma noite que fiquei de guarda na frente do quarto dos meus pais para protegê-los do que eu pensava que era uma ameaça genuína das vozes. Como eu tinha um problema sério com automutilação e a maior parte dos objetos cortantes da casa estavam escondidos, eu acabei me armando com um garfo de plástico, daqueles de piquenique, e fiquei sentada na frente do quarto com ele no bolso e esperando para usá-lo se alguma coisa acontecesse. Eu estava tipo: “Não mexa comigo. Eu tenho um garfo de plástico, sabia?” Bem estratégico.

Mas uma resposta tardia, e muito mais útil, seria tentar desconstruir a mensagem por trás das palavras. Então, quando as vozes me avisavam para não sair de casa, eu agradecia a elas por me alertarem sobre como me sentia insegura — pois se eu estivesse alerta disso, então poderia fazer algo positivo quanto a isso — mas eu iria em frente para assegurar a elas e a mim mesma de que estávamos seguras e não precisávamos sentir medo. Eu colocava limites para as vozes, e tentava interagir com elas de uma maneira que fosse firme mas também respeitosa, estabelecendo um lento processo de comunicação e colaboração, em que nós pudéssemos aprender a trabalhar juntas e apoiar umas às outras.

Ao longo disso tudo, o que eu percebi finalmente foi que cada voz estava intimamente relacionada a aspectos de mim mesma, e cada uma delas trazia emoções irresistíveis que nunca tive chance de processar ou resolver, memórias de trauma sexual ou abuso, de raiva, vergonha, culpa, baixa autoestima. As vozes tomaram o lugar dessa dor e deram palavras a ela, e possivelmente uma das maiores revelações foi quando descobri que a maioria das vozes hostis e agressivas representavam, na verdade, as partes de mim que foram machucadas profundamente, e assim, eram estas vozes que precisavam receber maior compaixão e cuidado.

Foi com este conhecimento que finalmente consegui juntar o meu eu despedaçado, cada fragmento representado por uma voz diferente. Gradualmente, parei com toda minha medicação, e voltei para a psiquiatria, só que, desta vez, do outro lado. Dez anos depois que a primeira voz apareceu, eu finalmente me formei, desta vez com o grau mais elevado em psicologia que a universidade já concedeu, e um ano depois, o grau mais elevado no mestrado, o que não é nada mau para uma maluca. De fato, uma das vozes ditou as respostas durante o exame, o que tecnicamente conta como trapaça.

(Risos)

E para ser honesta, às vezes eu gostava da atenção delas. Como Oscar Wilde dizia, a única coisa pior do que ser comentado é não ser comentado. Isso também é muito bom para escutar escondido, pois é possível escutar duas conversas ao mesmo tempo. Então não é de todo ruim.

Eu trabalhei em atendimentos de saúde mental, eu falei em conferências, eu publiquei capítulos de livros e artigos acadêmicos, e eu discuti, e continuo a fazer isso, a relevância do seguinte conceito: que uma questão importante na psiquiatria não deve ser sobre o que está errado com você, mas sobre o que aconteceu com você. E durante esse tempo, eu ouvi as minhas vozes, com quem eu finalmente aprendi a viver em paz e respeito e que, por sua vez, refletiram um sentido crescente de compaixão, aceitação e respeito para comigo mesma. E me lembro do momento mais comovente e extraordinário quando dei apoio a outra jovem que estava aterrorizada por suas vozes, e me dei conta, pela primeira vez, de que eu não me sentia mais daquela maneira e finalmente era capaz de ajudar alguém assim.

Eu estou muito orgulhosa de ser parte do Intervoice, o conselho organizacional do International Hearing Voices Movement, uma iniciativa inspirada pelo trabalho do Professor Marius Romme e da Doutora Sandra Escher, que estabelecem a escuta de vozes como uma estratégia de sobrevivência, uma reação sã para circunstâncias insanas, não como um sintoma aberrante de esquizofrenia a ser suportado, mas como uma experiência complexa, importante e significativa a ser explorada. Juntos, nós imaginamos e decretamos uma sociedade que compreende e respeita a escuta de vozes, dá suporte às necessidades dos indivíduos que escutam vozes, e que os valoriza como cidadãos completos. Este tipo de sociedade não é só possível, ela já está a caminho. Para parafrasear Chavez, uma vez que a mudança social começa, ela não pode ser revertida. Você não pode humilhar a pessoa que sente orgulho. Você não pode oprimir as pessoas que não têm mais medo.

Para mim, as conquistas do Hearing Voices Movement são um lembrete de que empatia, companheirismo, justiça e respeito são mais do que palavras; elas são convicções e crenças, e estas crenças podem mudar o mundo. Nos últimos 20 anos, o Hearing Voices Movement estabeleceu redes de escuta de vozes em 26 países, de cinco continentes, trabalhando juntos para promover dignidade, solidariedade e capacitação para indivíduos com angústia mental, para criar uma nova linguagem e prática de esperança, na qual, em seu núcleo, se encontra uma crença inabalável no poder do indivíduo.

Como Peter Levine disse, o animal humano é um ser singular, dotado de uma capacidade instintiva de se curar e o espírito intelectual para aproveitar esta capacidade inata. Neste aspecto, para os membros dessa sociedade, não há maior honra ou privilégio do que facilitar este processo de cura para alguém, dar testemunho, oferecer ajuda, compartilhar a maldição do sofrimento do outro, e manter a esperança de sua recuperação. E da mesma forma, para os sobreviventes dessa angústia e adversidade, lembramos que não precisamos viver nossas vidas definidas para sempre pelas coisas danosas que nos aconteceram. Nós somos singulares. Somos insubstituíveis. O que reside em nós jamais pode ser subjugado, distorcido ou levado embora. A luz nunca se apaga.

Como um médico maravilhoso me disse uma vez: “Não me fale o que as outras pessoas dizem sobre você. Fale-me sobre você.”

Obrigada.

Fonte: TED

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