Olá, sou advogada e tenho 26 anos de idade. Vou relatar um pouco da minha história para vocês. Em 2011 tive um surto psicótico, que já foi confirmado pelo médico como sendo esquizofrenia.

Quando estava no 3º ou 4º ano de faculdade, por volta de 2007 ou 2008, comecei a me relacionar com uma pessoa mais velha pela internet. Foi aí que as coisas começaram a complicar. Comecei a ler percebendo significados ocultos dentro das mensagens de e-mails, era como se a frase possuísse um significado além daquele escrito. Em alguns momentos cheguei a cortar as sílabas de palavras, juntando umas com as outras, buscando “ler” o interior (a mente) da pessoa. Se alguém já leu “A psicopatologia da vida cotidiana”, de Freud, vai chegar perto do que eu quero dizer. Lembra um pouco, num nível muito mais abaixo, as cenas do filme “Uma mente brilhante”, quando ele começava a cortar jornais buscando decifrar códigos. Nunca fiz isso, mas era um pouco parecido.

Em 2009, depois de me formar, senti um grande abalo, pois ganhava cerca de R$ 1.000,00 só com os estágios, fora a mesada que meus pais me davam de quatrocentos reais. De repente, de uma hora para outra, me vi ganhando um terço do que ganhava antes e fiz uma dívida no banco. Comecei então uma busca pelo dinheiro e por qualquer emprego, qualquer coisa para que eu pudesse pagar aquilo que devia.

Em meados de 2010 entrei no meu primeiro emprego e, dentro de um mês, achei que um colega meu estivesse gravando a minha conversa. Ele abriu o celular e deixou aberto enquanto eu me queixava de uma chefe. Era um celular de flip. Até hoje não sei se foi verdade ou não, pois vi e ouvi muitas vezes um chefe e esse mesmo colega dizer: ”cuidado, estou gravando sua conversa.” No momento pensei que ele estivesse gravando a conversa a fim de me prejudicar perante minha chefe. Mas não sei se isso já era início da doença. Depois desse fato, pedi demissão e fiquei em casa. Minha mãe acabou pagando a dívida no banco. Mas esse período foi de muito estresse. Também queria passar logo num concurso de alto nível.

Não lembro exatamente quanto tempo depois, acho que uns seis meses, comecei a pensar que essa pessoa com quem me relacionava na internet estivesse me perseguindo. Imaginava que ela queria muito o meu mal, porque eu já não queria mais nada com ela. Antes da crise propriamente dita, começou com uma sensação estranha, sentia que algo não ia bem. Senti também um pouco de depressão, vinha um choro fácil. No curso de inglês, comecei a antipatizar com a professora, achando que ela, talvez chateada, queria o meu mal e que estivesse de conluio com esse “ex-paquera”.

Uma colega do trabalho voluntário que eu fazia começou a perceber que eu andava muito encucada, pois ao aguardar a carona eu ficava do outro lado da rua, pensando que pudesse ter “assaltantes” ou pessoas estranhas me olhando. Então ela me recomendou que eu fosse num psiquiatra, disse que não era nada demais ir se consultar com o médico.

Em maio de 2011 eu fiz uma viagem maravilhosa, descansei tudo que precisava. Mas na volta, dentro do ônibus, achei que uns passageiros estivessem transportando droga e que o passageiro sentado ao meu lado era um detetive enviado pelo meu “ex-paquera” e que estava ali acabando por me proteger. Foi algo muito tenso, fiquei com medo de que houvesse algum confronto entre esses passageiros, cheguei a ouvir um deles dizendo: “você trouxe a caneta?” Imaginei que ele estivesse querendo dizer uma arma, só que em código. Não dormi a noite inteira. Depois, quando cheguei em casa, contei toda a história da viagem para minha mãe e irmãs, elas diziam que não era nada, que eu estava imaginando coisas, que a viagem foi toda tranquila. Porém eu me lembrei do que minha colega disse e pedi para ir num psiquiatra.

Fui a um psiquiatra já em crise. Chegando lá, contei com meias-palavras o que estava se passando, não confiei nele, achava que os fios de telefone soltos eram uma escuta desse “ex-paquera” para saber o que eu pensava. Relatei apenas que sentia medo, perguntei até se tinha esquizofrenia (mesmo sem saber o que isso significava), pois na minha família há histórico. Ele disse que não era e me tratou como síndrome do pânico.

Então as coisas evoluíram eu comecei a pensar que esse meu “ex-paquera” enviava mensagens pela televisão, como indiretas. Não podia tomar banho pois pensava que tinha câmeras e escutas por toda a casa. Vestia apenas roupas de uma cor, pensando desviar de um código. Enfim, fiquei em crise mesmo. Não queria sair de casa, ficava o tempo todo numa cama e não queria que meus familiares saíssem de casa também, com medo. Pensei em ir num delegado, em fazer seguro de vida, etc.

Tomei Zyprexa e mudei de médico. Para ficar completamente recuperada e consciente da doença levei uns 9 meses, descobri que tinha esquizofrenia lendo o relato de pacientes num livro de psiquiatria (Kaplan), principalmente por causa da história da televisão.

Hoje estou bem, em remissão como dizem. Não é fácil saber da doença, pois tudo que se lê, principalmente em livros antigos, é desanimador. Para contornar essa situação, eu planejo alternativas e busco ler notícias novas. Vou sempre ao médico, pago o INSS, procuro estar em constante exercício, fazendo jogos de raciocínio verbal, redações e leitura e pratico natação. Não sou muito disciplinada, mas faço tudo na medida em que posso. Hoje me cobro menos, sou mais humilde, tenho objetivos mais simples. Procuro me manter mais próxima das pessoas, fazendo contato com meus amigos e colegas. Isto para mim não é fácil, em um encontro social só me sinto bem se estiverem presentes ao menos duas pessoas. A conversa não flui com naturalidade, é algo que percebo. Porém, consigo expressar mais o meu descontentamento com as coisas. Sou uma pessoa naturalmente tensa e preocupada, mas tento relaxar, sorrir, dormir bem. Tomo a medicação regularmente, todos os dias, no mesmo horário. Consegui aprovação em 4º lugar num concurso e estou fazendo um trabalho voluntário num órgão público federal. Dei uma entrevista para o Yahoo na condição de advogada, são coisas que me alegraram muito. Tudo que conquistei após o surgimento da doença só foi possível com a ajuda de Deus, medicação e dos meus familiares.

Agradeço muito a Deus, aos meus pais, às irmãs e ao médico. Espero que vocês tenham se identificado com algo que eu disse aqui e que eu possa ter ajudado de alguma forma. Se virem alguém com algum desses sintomas, ajudem – indiquem um psiquiatra.

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