Meu nome é Tiago, tenho 26 anos e moro no bairro de Piedade, no Rio de Janeiro.

Eu tenho esquizofrenia. Quero, através deste depoimento, compartilhar boa parte da experiência vivida por mim até hoje em prol da melhora e auxílio de outros pacientes.

Sempre soube que a vida não é tão simples e fácil quanto parece. Deparamo-nos com diversos obstáculos ao longo de nossa caminhada. Porém, temos que superá-los sempre. Essa é a lei da vida. Se você deixar o tempo ocioso e os problemas tomarem conta de você e da sua mente, a verdade é que você pode acabar indo para uma vereda ruim, desoladora, saindo do seu foco, do seu objetivo, de suas metas. E assim, a vida que era ou poderia ser mais simples, só pode ser resolvida por você mesmo. É! Você mesmo que está lendo o depoimento de mais um paciente que deseja, quer e vai vencer na vida. Aliás, já está vencendo. E minha intenção é também tentar ajudá-lo.

Eu tinha uma vida normal, como outro ser humano qualquer. Estudei em dois colégios particulares muito bons. Um ficava perto de minha casa e o outro ficava no bairro do Méier, bairro adjacente ao meu. Morávamos eu, minha mãe e minha avó. Mas se você pensa em um garoto mimado, está enganado. Enquanto minha mãe saía pra trabalhar pra colocar comida pra dentro de casa, minha avó cuidava de mim. E ela era linha dura à beça. Queria que eu fosse o melhor em tudo. Deu-me uma educação à altura. Inclusive devo tudo o que eu sou hoje a ela. Tenho o problema, que considero pequeno perto do que eu sou hoje. Porém com relação à integridade, esforço, desempenho, educação, responsabilidade, determinação, coragem, enfim, alguns elementos necessários para se obter uma vida digna e com um futuro brilhante à frente, eu dou graças principalmente à minha avó. Minha mãe eu amo demais também. Contudo, na época, quem contribuía mais com a minha educação era a minha avó.

Para não perdermos o foco do assunto e ligar as palavras-chave, eu estudava bastante. Sempre estudei. Sempre fui muito cobrado por ambas as “mães”. E eu era um dos melhores na escola. Não me gabo por isso. Claro que o reconhecimento eu vejo até hoje, por encontros e conversas com amigos de longa data, que estudaram comigo. E reconhecimento é sempre bom. Digo isso em todos os aspectos. A média era alta e eu não podia fazer feio, porque sabia que a minha mãe pagava pra mim colégios caros e com ensino de qualidade, que seriam a chave para o meu futuro. E eu fazia de tudo para tirar notas boas e me dedicar ao máximo, porque queria ganhar bons presentes que minha mãe me daria.

Eu me estimulava e tinha que fazer por onde. Só que eu me deixava levar muito pelo meu querido futsal. Como eu adorava jogar. Fui federado. Disputava a LIFSERJ (Liga Independente de Futsal do Estado do Rio de Janeiro). E fora as peladas na rua com os amigos. Eu jogava bem também. Cheguei no ápice algumas vezes, sendo convidado para jogar no Clube de Regatas do Flamengo e no Fluminense. Joguei no primeiro, saindo da escola às pressas e indo treinar na Gávea. Minha mãe e vó estavam toda bobas. Mas não fiquei porque eu tinha que ter um apadrinhamento de alguém lá dentro e a gente sabe como é a política de futebol. Não é diferente no futsal. Eu e mais dois amigos tínhamos sido convidados para jogar, mas não ficamos por causa disso. E foi no Fluminense a grande oportunidade que tive pra jogar o futebol de verdade. Só que eu rejeitei a proposta, que era muito boa, pra me dedicar aos estudos. Eu era muito correto com os meus estudos e não pensava em deixar de lado por um questão de lazer. Isso ocorrera comigo quando eu tinha 14 anos de idade. Foi a única coisa que eu me arrependi, já que meu sonho de menino era ser jogador de futebol. Hoje entendo que não era pra ser. Enfim, fui crescendo, amadurecendo. Passei apenas a jogar um futebolzinho com os amigos no final de semana.

Namorei. Conheci várias mulheres de várias idades e de muitos amores. Mas namorei pouco. Desmanchei relacionamentos, assim como elas o fizeram comigo também. Fiz judô, jiu-jitsu. Adorava praticar esportes. Ainda gosto, mas não os faço por falta de tempo. Eu gosto de onde há movimento. E de não ficar parado. Se pararmos, a nossa vida para, a dos outros segue e o tempo passa. Fiz um curso de inglês quando mais novo também, que durou 5 anos. Até aí tudo bem, nada de esquizofrenia.

Com 18 anos comecei a trabalhar numa empresa de telecomunicações, onde eu era operador de telemarketing e minha mãe havia me colocado lá, pois era uma das chefes. Depois arranjei um novo emprego, muito melhor, por sinal, onde eu ganhava mais e fui promovido duas vezes em pouco tempo. Era numa empresa que pagava direitos autorais ao cantores e intérpretes. Eu permaneci neste emprego por quase 3 anos. Conheci uma mulher especial, onde eu descobri o amor pela primeira vez.

Estava muito feliz, porém comecei a ter sintomas de depressão, síndrome do pânico, medo de morrer por qualquer besteira e etc. Foi nesse período que comecei a sentir o peso da vida sobre os meus ombros. Descobri que tinha um problema espiritual. Descobri que era médium. Depois, com o passar do tempo, fui lendo e entendendo mais o assunto, a religião e vi que a maioria dos casos de depressão tem a ver com problemas espirituais. Deparei-me com uma situação nova. Era tudo diferente. E minha vida mudou muito. Pra melhor. Demorei um tempo pra restabelecer o meu equilíbrio. Não que o espiritismo (digamos assim de uma forma genérica, porque sou umbandista) vá resolver todos os seus problemas, mas se você se esforça, propaga o bem, procura entender o que se passa, se aprofunda no assunto, mantém a sua fé em dia, em qualquer religião você consegue obter a ajuda necessária. Cada lugar tem a sua doutrina religiosa, o seu formalismo, mas a fé depende de você. Se você a tem, as barreiras tornam-se transponíveis.

Como a vida não é fácil e simples, eu perdi o meu emprego (por opção minha eu quis sair, pois estava passando por um momento delicado, de desequilíbrio, que era o problema espiritual, que realmente existiu), perdi a namorada que eu amava muito e que acompanhou um pouco desse processo ruim pelo qual passei e saí da faculdade de Direito, porque havia saído do emprego. Afastei-me dos meus amigos e me isolei. Parei com o futebol e com academia. Consegui, enfim, melhorar depois de um tempo. Espiritualmente eu estava no equilíbrio. Passados dois anos tive uma nova crise, onde eu me via numa situação totalmente diferente da anterior, bem pior. Minha cabeça estava a mil por hora. Meus pensamentos muito desorganizados e eu vivia com um olhar perdido em meio à crise pela qual me encontrava. Eram pensamentos que vinham à minha mente sem eu querer, indesejáveis, que me incomodavam e me desconcentravam. Foi aí que minha mãe preocupada foi comigo ao centro onde frequento e foi apontado que era um problema físico agora. É, eu tinha que me cuidar. Cuidar da mente.

Fui a uma psicóloga e a um psiquiatra, que diagnosticaram a minha doença, esquizofrenia. Minha mãe sentiu um baque de cara, porque para a mãe ou pai ou a pessoa que sempre cuidou de você, há uma não aceitação. Eu cheguei a tomar remédio duas vezes, mas eu ficava improdutivo durante uma boa parte do dia. Minha mãe jogou o remédio fora. E a minha crise que já não estava fácil, piorou. Voltamos ao psiquiatra e ele receitou três medicações. Fui sendo acompanhado pelos dois e fui readquirindo o meu equilíbrio.

Consegui arranjar um emprego perto de casa, no Méier. Fiquei lá por um ano e saí para um melhor, onde fui promovido ainda no período de experiência. Coisa difícil de se ver hoje em dia. Só que eu fui percebendo, depois de um bom tempo, que o remédio não estava surtindo mais aquele efeito do equilíbrio e eu voltei a ter alguns pensamentos desorganizados.

Mudei de médico e de remédio, dessa vez um de segunda geração (antes só tinha usado os mais antigos). Em menos de um mês arranjei um trabalho, um empregão melhor dizendo, numa multinacional, onde eu tive que passar por um processo seletivo bem complexo com entrevista em inglês e português e duas redações (uma em inglês e a outra em português). Mas passei. Na fé que eu tive.

Hoje eu uso dois medicamentos: o Saphris e o Rivotril. Com esses dois remédios eu tenho todo o equilíbrio que preciso pra me manter firme na jornada, porque o meu objetivo mais breve é passar num concurso público que eu já estou estudando. Depois que me formar em Direito, tenho que fazer doutorado para ser Delegado da Polícia Federal. E vou ser. Como falei, só para vocês perceberem, consegui resgatar um trabalho novo, muito bom, que é na minha área (Direito, mais precisamente Direito Internacional – trabalho com vistos e passaportes de estrangeiros que vem trabalhar no Brasil e precisam regular sua permanência ou seu período de transitoriedade no país), faço faculdade de Direito (estou no 3º período), consegui resgatar também as amizades que eu havia deixado de lado e novas pessoas surgiram, às quais eu contei sobre o meu problema (mas não façam isso para qualquer pessoa, porque ainda há muito preconceito).

Conheci uma mulher especial, que sabe da minha doença, que me ama, que cuida de mim, que me apoia, que tem orgulho de me ter ao lado dela, que é a minha fã número um, companheira de todas as horas (mesmo ela sendo mais nova que eu – 21 anos – ela tem cabeça super aberta e me entende, que é o mais importante, além de entender um pouco sobre a doença, já que eu expliquei sobre a regularidade de precisar tomar os remédios) e, também, quero ressaltar o principal: é você ter sempre o apoio de sua família, porque é a base de tudo.

Você que é pai ou mãe, esposa ou marido, filho, filha ou a pessoa mais próxima, tenha sempre paciência com quem tem o problema, mesmo sabendo que não é fácil. Sabemos que não é uma doença simples, porque ela age na mente, que é onde nós comandamos o corpo. Por isso, eu que hoje estou no equilíbrio, dou graças a Deus, ao meu médico, à minha família, aos amigos que sabem (que são pouquíssimos) e à espiritualidade que tenho. Sem eles na minha vida, me apoiando, me orientando e cuidando de mim, eu, provavelmente estaria pior. Por isso gente, apoiem quem estiver do seu lado. Sempre. A vida é feita de problemas, mas nós não precisamos complicá-la mais.

Nós podemos fazer um mundo melhor nos doando a essas pessoas que tem esse problema ou outro qualquer. O equilíbrio é possível. Às vezes demora, mas todos temos capacidade de superarmos, de termos uma vida normal como outro ser humano qualquer. Esse problema só existe se alimentarmos o monstro que nos assola. É só não darmos vazão aos pensamentos, tomarmos os medicamentos adequados, ir ao médico para ele ver como você está se sentindo e fazer a avaliação (a dosimetria do remédio), até chegarmos ao ponto de atingirmos a recuperação.

Eu acredito e tenho certeza que estou no caminho certo, fazendo o que é para ser feito. Eu percebi claramente que, com as doses do Saphris e do Rivotril, eu atingi o equilíbrio antes do que eu pensava. O Saphris é tão bom que eu fui percebendo algumas melhoras consideráveis, do tipo: eu usava roupas amarrotadas e sujas que eu já havia usado anteriormente (porque a doença gera um sintoma de desgosto, de desleixo). Hoje, se tiver amarrotada, eu passo, se tiver suja ou eu ou minha mãe lavamos…quanto aos pensamentos que tinha, hoje quase não os tenho mais. São raros e tem dias que eu nem tenho. E me percebi a tal ponto que, por etapas, vi que o Saphris foi “diluíndo-os” gradativamente na minha mente. Vi que primeiro diminuíram aqueles sintomas, como os da roupa, depois do ânimo pra vida, em seguida, o controle dos pensamentos…E o Rivotril eu tomo para contrabalançar o efeito colateral do Saphris, que gera ansiedade.

Eu e minha família (hoje somos eu, minha mãe e meu padrasto – minha avó faleceu em dezembro de 2011) somos muito gratos à ajuda que meu médico nos proporcionou e nos proporciona até hoje. E pretendo continuar me tratando até sempre rsrsrs. Por isso, você que acabou de ler esse depoimento, tenha fé, nunca deixe de tê-la. E faça também o acompanhamento médico, tomando as medicações e, principalmente, tendo o apoio da família. Tenho certeza que você conseguirá, assim como eu estou conseguindo. Abraços a todos, meus amigos.

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