Patricia Deegan é PhD em psicologia, co-fundadora do Instituto para Estudo da Resiliência Humana da Universidade de Boston e diretora sênior do Joshua Tree Center para estudos de ex-pacientes.

Esta sou eu!

Eu comecei a ter os primeiros sintomas de esquizofrenia nos primeiros anos da minha faculdade, tanto que tive que começar um curso de cada vez. Enquanto os outros alunos se preocupavam com a matéria eu procurava me controlar para não pirar, achava que todos na sala me olhavam, que tinham pensamentos a meu respeito, ficava muito paranóica, lutando contra os meus medos.

Primeiro eu fiquei aterrorizada de contar para as pessoas o que se passava comigo, achando que eu fosse ser expulsa da faculdade. Eu comecei a levar um gravador para as aulas, era a forma que eu achei de aprender as lições. Chegava em casa e, quando me sentia mais confortável, escutava as aulas. Eu usei outras estratégias como esta para me fortalecer, como um fisiculturista que precisa exercitar seus músculos, eu precisava construir minhas habilidades para sentar na sala de aula e lidar com as paranóias, com as vozes estressantes que escutava e com minha ansiedade.

Quando comecei a ter esta habilidade, passei a ter mais sucesso, me sentir mais à vontade na sala de aula, mas mesmo assim precisei voltar ao hospital. Eu tive nove internações, a última foi em 1994. Algumas pessoas ficavam surpresas com isso. O que eu acho que aconteceu foi que à medida que fui amadurecendo, eu aprendi mais a ser eu mesma. Eu ainda ouço vozes, eu me torno hiper-reativa aos estímulos algumas vezes, não posso ficar no meio de muitas pessoas, fico extremamente irritada, eu tenho traumas que ainda não foram resolvidos apesar dos anos de análise.

Eu cheguei à conclusão que eu sou assim, isto não é esquizofrenia, não são sintomas, eu sou assim, Deus me fez assim, o que posso dizer? Eu parei de tentar me modificar. Sabe, eu sou estranha mesmo, sou lésbica, oficialmente casada com minha parceira em Massachusett, estamos juntas desde 1986, temos uma linda filha de nove anos, uma antiga casa de fazenda, ela é uma “sobrevivente psíquica”, eu sou uma “sobrevivente psíquica”… eu penso que ficar bem é não ter grande vulnerabilidade nas coisas. Eu percebo que muitas pessoas lutam, todo mundo tem momentos ruins, todo mundo tem dias em que preferia estar morto… a vida é difícil mesmo!

Às vezes eu me envergonho, mas eu digo “o que você é o que você tem”, e procuro sair dessa dando o meu melhor. Eu ainda sofro com esses traumas do passado, tenho flashbacks e, quer saber, esta sou eu. Eu acho que a gente aprende a lidar com isso! No passado, eu entrava e saía do hospital, mudava de medicação, ora esse tratamento, ora aquele… agora eu lido mais ou menos com isso, eu sei que eles não irão totalmente embora, são meus.

O que eu acho que acontece é que eu tenho esses traumas, eu queria curá-los, mas curá-los totalmente não é possível. Se eu magicamente pudesse extrair meus traumas e minha história, eu acho que eu perderia toda a minha compaixão. A minha história me permitiu ter mais compaixão pelas pessoas. Quando eu tinha uma ferida, um problema, eu pensava… isto pode ser uma espécie de dom que me trará mais compaixão pelo mundo e pelas outras pessoas… e isso é uma coisa boa! Não que eu deseja isso a ninguém, mas ao mesmo tempo é quem eu sou, o que me sintetiza, isso é o que importa.

Esses anos todos eu tinha medo de falar para as pessoas, de contar para meus professores… para alguns em quem eu confiava eu contei. Quando eu fiz o meu mestrado e o meu doutorado, eu não contei nada a ninguém. Eu vi um colega meu do mestrado, éramos quatro na sala, tendo um surto psicótico, isso me assustou muito. Eu achava que me recuperar era me tornar normal, eu tinha que colocar a minha história psiquiátrica para trás… “isso já deu no que tinha que dar, agora estou sã, agora vou me transformar numa profissional”, pensei.

Quando comecei a conhecer outros profissionais, que não sabiam que eu era uma paciente e não conheciam a minha história, eu me deparei com a realidade. Todos eles estavam em terapia, todos eles se divorciaram, todos estavam perdidos, todos eles tinham problema com a sua sexualidade, uns usavam drogas, outros álcool… aí eu realizei que ter um diploma não faz de você uma pessoa sã.

Para mim o meu diploma de doutorado foi como uma chave que abriu algumas portas importantes. Sem ele eu não seria capaz de publicar artigos em revistas sozinha, fazer pesquisas, atrair investimentos, como do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA. Mas eu não uso o meu diploma só para mim, isso seria egoísta. Eu procuro trazer outras pessoas para perto de mim, abrir as portas para elas também.

Eu sempre procurei amigos para dividir com eles e às vezes recorri às associações de pacientes e familiares, isso salvou minha vida. A parte mais difícil foi voltar ao hospital como uma psicóloga clínica e rodar na emergência e ver fazerem com as outras pessoas o que fizeram comigo no passado, como as contenções no leito. Eu não queria fazer parte disso, mas eles esperavam que eu fizesse parte. Eu simplesmente dizia que não estava num dia bom e não participava.

Hoje eu me dedico ao meu público, dou palestras e desenvolvo materiais de apoio para as pessoas que como eu são “sobreviventes psíquicos”. Eu sinto que é isso que o meu Deus quer que eu faça da minha vida e todo dia eu digo sim. Isso me faz ir adiante.

Estratégias de Patricia Deegan para a recuperação:

  • Nada de drogas ou álcool
  • Ache ambientes tolerantes
  • Relacionamentos
  • Espiritualidade e achar sentido no meu sofrimento
  • Senso de propósito e direção: encontrar uma missão em torno da qual vou organizar minha recuperação.
  • Rotina
  • Cada dia de uma vez, cada hora de uma vez, cada minuto de uma vez.
  • Estudar, aprender e trabalhar.
  • Boa vontade para trazer a responsabilidade para mim e aceitar que ninguém pode fazer o trabalho da minha recuperação por mim.
  • Boa vontade para fazer psicoterapia para trabalhar meus traumas.
  • Encontrar outras pessoas que estão se recuperando e aprender a não ter vergonha.
  • Desenvolver habilidades para o autocuidado:
    • Como evitar os pensamentos delirantes
    • Como lidar com as vozes
    • Como lidar com a ansiedade
    • Como descansar, me acalmar e dormir
    • Oração, meditação
    • Exercícios físicos e uma boa dieta

 

Leia outro depoimento de Patricia Deegan clicando aqui.

Assista ao vídeo com o depoimento de Patricia Deegan (áudio em inglês)

[youtube]DVlhfuKDjYE[/youtube]

Compartilhe: