Um artigo da psiquiatra Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional para Abuso de Drogas dos EUA, publicado na edição de maio de 2009 da revista Schizophrenia Bulletin, chama a atenção para a crescente comorbidade (i.é. associação de duas doenças) entre Dependência Química e Esquizofrenia. Um levantamento nacional a respeito do uso de drogas nos EUA em 2007 revelou o aumento da prevalência de abuso de substâncias, como álcool, nicotina, maconha e cocaína, entre esquizofrênicos em até 100 vezes superior à população geral (veja a tabela abaixo).

 Taxa de uso em esquizofrênicos (média de vários estudos)Abuso ou dependência em esquizofrênicosTaxa de uso na população geralDependência na população geral
Nicotina60-90%28,5%25,9%12,8%
Maconha17-80,3%50,8%5,8-16,4%0,5%
Álcool21-86%43,1-65%2,9-17,9%5,1%
Cocaína?23%0,7-1,7%0,09%

Quase metade dos esquizofrênicos apresenta em algum momento de sua vida história de uso ou abuso de substâncias, índice bem superior à população geral, o que sugere que esquizofrênicos estejam expostos a outros fatores de risco além daqueles presentes na população. Os mecanismos por trás dessa comorbidade ainda não são bem conhecidos, mas acredita-se que envolvam distúrbios químicos cerebrais, como os relacionados à dopamina, glutamato, aos receptores nicotínicos e canabinóides (da maconha).

Uma das explicações para o abuso de substâncias em esquizofrênicos é a busca de alívio para efeitos colaterais dos antipsicóticos, como a falta de prazer, em função do bloqueio de dopamina em regiões cerebrais envolvidas com mecanismos de recompensa ou para compensar déficits cognitivos. O problema é que o uso crônico da droga exacerba os sintomas negativos e cognitivos, prejudicando ainda mais a recuperação da pessoa no sentido de uma vida produtiva e plena.

A nicotina é a droga mais prevalente entre esquizofrênicos, em parte por ser legal e pela facilidade de acesso, mas também porque o efeito da nicotina no cérebro pode aliviar alguns déficits cognitivos. Há estudos que sugerem que esquizofrênicos têm receptores nicotínicos menos funcionais e em menor número do que pessoas saudáveis e isso explicaria a melhora da cognição provocada pela nicotina (o que não ocorre com os demais fumantes).

O uso da maconha também é freqüente e ela possui o pior efeito dentre todas as demais. Estudos com ressonância magnética mostraram que com o uso de maconha a perda de substância cinzenta cerebral é até duas vezes maior do que o habitual num período avaliado de 5 anos. Uma das explicações para o uso da maconha é melhorar o controle emocional em situações de estresse, devido ao seu efeito nos receptores canabinóides cerebrais.

Os fatores genéticos e ambientais que contribuem para a esquizofrenia também estão envolvidos na dependência de substâncias. Genes que regulam a neuroplasticidade e o desenvolvimento cerebral, como o gene Neuroregulina 1, podem estar implicados nas duas patologias. Fatores psicossociais como educação e desemprego podem aumentar a comorbidade e ambas as doenças estão relacionadas a uma maior exposição e menor tolerância ao estresse, o que agrava as duas condições.

Algumas pesquisas sugerem que antipsicóticos de segunda geração podem ser mais eficazes no tratamento da dependência química associada à esquizofrenia, assim como terapias comportamentais que aliem abordagens às duas doenças. Mas existe uma grande carência de profissionais e serviços especializados no tratamento das duas condições em conjunto.

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